A velha e trágica novela de Paulo Guedes

Um beco sem saída. Eis uma boa imagem para se entender os dilemas da economia brasileira. Quando o país caiu nas garras dos lobos de Wall Street — o representante máximo da espécie no Brasil atualmente é o ministro da Economia, Paulo Guedes — já ficou nítido que esse era o caminho. Cortaram as duas linhas mestras da dinâmica econômica — o investimento e o consumo — e em seu lugar erigiram a máxima de que basta agradar ao “deus- mercado” com generosas porções de recursos orçamentários para que os capitais internacionais aportem por aqui, trazendo benesses para todos.

Era uma impossibilidade física, estava evidente. Essa novela já havia passado na década de 1990 e o final é bem conhecido: um tenebroso desfile público de falsas promessas para encobrir desastres como desemprego em massa, degradação social, desnacionalização da economia e atentados à soberania nacional — como a ingerência do Fundo Monetário Internacional (FMI) nos assuntos internos do país para impor a sua receita amarga. Nas quatro eleições seguintes, a maioria do povo rejeitou esses falsos milagres. Aí veio o golpe de 2016 para, de modo autoritário, restaurar a velha ordem.

Mais uma vez, o conto do vigário mostra seus resultados. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), a pedido do jornal Valor Econômico, 11 de 14 ramos de atividade selecionados estão com excesso de capacidade ociosa. O nível de utilização da capacidade instalada (Nuci) da indústria manufatureira ficou em 75,8% em agosto, 0,3 ponto percentual acima de julho, mas ainda 4,2 pontos inferior à média histórica da série, de 80%. O efeito desses dados chega ao nível de emprego e, naturalmente, ao consumo, travando a economia.

Essa é uma face da moeda. A outra é o dilema de Paulo Guedes para fechar as contas prometidas aos lobos no Fórum Econômico Mundial de Davos, Suiça, no começo do ano. Depois do barulho da queda estrepitosa do ex-secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra, a mando do presidente Jair Bolsonaro — conforme relato do vice, general Hamilton Mourão —, Guedes disse que seu aliado caiu como um bravo. “Morreu em combate nosso valente Cintra”, afirmou.

O combate, no caso, era pela meta de tentar levar adiante o “ajuste fiscal”, recorrendo à finada CPMF, logo em seguida novamente sepultada. Ao justificar a necessidade de encontrar uma fonte de recursos para bancar a redução dos encargos sobre a folha de pagamento, Paulo Guedes assumiu que estava “considerando o novo imposto”. Enquanto a fonte não é encontrada, ele anunciou que o governo não desistiu de propor o regime de capitalização para a Previdência.

Como se percebe facilmente, o mundo de Paulo Guedes, onde vive o governo Bolsonaro, é o da hipocrisia. Nele há uma atmosfera de devaneios, mas seus resultados são bem concretos. Enquanto massacra o povo, ele revela números como o de que o lucro dos maiores bancos do mundo cresceu 10 vezes na última década, de acordo com a lista anual Top 1000 Maiores Bancos, do The Banker, publicação mensal de assuntos financeiros do jornal The Financial Times. Nela, aparecem os brasileiros Itaú, Banco do Brasil, Bradesco e Caixa Econômica Federal.

É evidente que esse discurso de Paulo Guedes, corroborado por Bolsonaro, serve de biombo para imposições arbitrárias e, assim, ajustar as instituições nacionais à régua dos interesses do capital financeiro. Arrocham a União, os estados e os municípios com a ditadura do “ajuste fiscal” para transferir renda do setor público para o privado, e daí para fora do país. São ideias que freiam o desenvolvimento e aviltam a soberania nacional, os direitos sociais e a democracia.