Moratória na Argentina e marcha à ré no Brasil

O pedido de moratória da Argentina ao Fundo Monetário Internacional (FMI) é a cena de um filme bem conhecido. É mais um fato que mostra o destino das economias com pés de barro. E um contraste com a posição da ex-presidenta argentina, Cristina Kirchner, na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2008, quando a crise mundial que eclodia foi o único tema. Na ocasião, os ricos apertaram os presidentes latino-americanos, exigindo que seus países pagassem a pendura de uma crise que eles criaram.

Exigiam respostas urgentes para saber como esses presidentes pensavam a crise. Cristina Kirchner foi implacável. “O Primeiro Mundo, que nos pintava como ‘A Meca’ (no período de imposição do projeto neoliberal), está caindo em pedaços e vocês perguntam-me se a Argentina tem um ‘plano B’ para enfrentar a crise? Senhores, sejamos francos! É preciso que vos fale seriamente: quem precisa de um ‘plano B’ são vocês, Estados Unidos e União Europeia, e podem consegui-lo se fizerem uma gestão responsável das vossas economias”, afirmou.

Como se sabe, não houve responsabilidade dos ricos na condução da crise surgida pelo furacão da quebra do cassino global, que começou a girar nos Estados Unidos e levou os governos daquele país e da Europa a adotar o que Jair Bolsonaro e Paulo Guedes chamariam de “surto socialista” — a nacionalização de bancos, seguradores e entidades de crédito. Mas foi um “surto socialista” privado, de salvamento do particular, feito com recursos do Estado e do coletivo, o maior plano de resgate privado da história.

No Brasil, o governo parece que não está nem aí para os sinais de mais fogo no circo. Os investimentos deverão cair até 40% no ano que vem em comparação com o orçamento de 2019, segundo disse o secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, ao jornal Folha de S. Paulo. Para 2020, a previsão é de que sejam investidos entre R$ 25 bilhões e R$ 30 bilhões; neste ano, o montante deve ficar entre R$ 35 bilhões e R$ 40 bilhões. É o menor investimento desde 2007, quando a série começou a ser medida.

Há 12 anos, segundo o site Monitor Mercantil, foram investidos, corrigidos pela inflação, R$ 72,7 bilhões, valor que chegou ao recorde de R$ 103,2 bilhões em 2014. Um dos programas que puxou os investimentos até 2015, o Minha Casa Minha Vida, passa por cortes drásticos. Outro agravante é o arrocho orçamentário, compondo o pacote de maldades do “ajuste fiscal” para financiar o giro da roleta do cassino financeiro — que inclui, também, a “reforma” da Previdência, as privatizações, a investida contra o funcionalismo público e, para esse fim, até uma possível volta da CPMF.

Essa insensibilidade diante dos impactos sociais da crise é típica da ideologia do dinheiro gerando dinheiro — vem da teoria monetária-culinária de fazer o bolo crescer para depois reparti-lo, dos tempos da ditadura militar —, sem passar pela produção e sem considerar a imposição da realidade que exige ações vigorosas para combater as continentais diferenças sociais no país. O povo sente o drama dessa perversidade, bem visível na estratosférica cifra de desempregados, uma verdadeira tragédia social. E o pior: com perspectiva de piora.

A infraestrutura do país também paga um alto preço, decorrente desse absoluto descaso com o desenvolvimento nacional. Os capitães dessa nau de insensatos ignoram o detalhe de que fórmulas matemáticas não devem substituir o desenvolvimento de um povo que habita uma região cheia de riquezas naturais. A política econômica de um país não pode ser determinada por simples conceitos monetários, a mando de interesses regidos pelas oligarquias financeiras de Wall Street.

Como disse o ex-presidente Juscelino Kubitschek quando ele enfrentou os monetaristas do governo para romper com o FMI, "o Brasil já se tornou adulto". “Não somos mais os parentes pobres, relegados à cozinha e proibidos de entrar na sala de visitas. Só pedimos a colaboração de outras nações. Através de maiores sacrifícios poderemos obter a independência política e, principalmente, a econômica, sem ajuda de outros." Hoje, esse desafio está novamente à frente de todos os que concebem o Brasil como um país soberano, democrático e desenvolvido.