A pobreza e as florestas do Brasil

Na média, a queda de rendimentos no Brasil, desde o fim de 2014, é de 2,6%. Os jovens perderam cerca de 15% de sua renda durante a crise. Os dados são do FGV Social, publicados pelo jornal Folha de S. Paulo. Eles mostram também que a crise atingiu de forma mais intensa os estratos pobres, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. A renda per capita do trabalho dos 10% mais ricos subiu 2,5% acima da inflação; e a do 1% mais rico, 10,1%. Já o rendimento dos 50% mais pobres despencou 17,1%; e dos 40% "do meio", caiu 4,2%.

Como informa o FGV Social, o total de pessoas que cruzaram a linha da extrema pobreza desde 2014, passando a viver com menos de R$ 232 por mês, cresceu 33%. São 6,3 milhões de brasileiros, o que elevou a 23,3 milhões o total de miseráveis, o equivalente a 11,2% da população. Mesmo assim, há muito menos pessoas na pobreza extrema hoje do que no início dos anos 2000, quando elas eram 28% do total.

São números que esclarecem muitos dos problemas econômicos, sociais e, consequentemente, políticos do Brasil. A economia entrou em colapso quando enfrentou o ciclo de desaceleração puxado pela queda na taxa de investimento, que passou a apresentar patamares negativos a partir do segundo semestre de 2014. Essa desaceleração pode ser atribuída a múltiplas causas. Começa pelas falhas na condução da política econômica e fatores políticos, como as manifestações de 2013 e a incerteza eleitoral de 2014.

Pesou muito também fatores internacionais, como a perspectiva de redução dos estímulos monetários injetados para reavivar a economia norte-americana e a rápida queda no preço das commodities. Houve ainda os fatores institucionais, com o avanço da Operação Lava Jato que afetou setores estratégicos da economia brasileira, como petróleo e gás, construção civil e indústria naval. Influenciou, da mesma forma, os efeitos destrutivos da tática da oposição de impedir a presidenta reeleita de governar. A situação se agravou com o “choque fiscal” de 2015, conduzido pelo então ministro da Fazenda Joaquim Levy, ainda no governo da presidenta Dilma Rousseff.

O golpe do impeachment em 2016 aprofundou essa linha contracionista que mergulhou o país na recessão e, com a eleição de Bolsonaro em 2018, ela ganhou ares ainda mais autoritários. Na verdade, trata-se de uma política oposta ao enfrentamento do principal desafio do Brasil – vencer as suas enormes desigualdades sociais. Delas decorre o estigma da fome – condição inaceitável em um país de agricultura farta e vastas fontes de riqueza natural – resultante do gerenciamento do Estado voltado exclusivamente para atender a interesses privados.

O combate à pobreza no Brasil nunca foi uma impossibilidade natural. No período Lula e Dilma, de geração de emprego e renda – o que significa estímulo ao consumo e à cidadania –, isso ficou bem demonstrado. Não existe método mais eficaz de integrar os excluídos do que o de transformar todos em consumidores. Além do desemprego – um fenômeno essencialmente urbano – há a pobreza na zona rural, estimada pelo Ipea em cerca de 36%. No caso dos mais pobres, o campo responde por quase metade deles.

Vem daí a tradição de empurrar brasileiros pobres para a prática de profanar o meio ambiente para ter o que comer, como fez a ditadura militar com sua política de adensar a Amazônia. Isso é inaceitável. Não é aceitável, também, determinar que a floresta pode ser trocada pelo garimpo, por lavoura extensiva, por rebanhos e madeireiras praticando extrativismo predatório.

Como disse o ex-ministro da Agricultura, Blairo Maggi, mesmo o agronegócio pode ser prejudicado com o discurso de Bolsonaro em relação a questões ambientais, que abre caminho para grileiros e oportunistas de todo calibre. A exploração racional da riqueza do país permite o seu desenvolvimento sem destruir o meio ambiente.

A questão é criar as alavancas para o projeto de rompimento com a restauração da ordem neoliberal, agora com feição ultraliberal e ainda mais neocolonial, definida por Bolsonaro. Se a política adotada for ajustada à perspectiva de superação do bolsonarismo – a lógica que faz os ricos ficarem mais ricos, os pobres mais pobres, e os miseráveis excluídos até da discussão sobre a exclusão –, os resultados aparecerão. Esse projeto só pode ser edificado pela via política, com o empenho de amplos segmentos patrióticos, democráticos e progressistas, unidos em favor do Brasil.