Sem Estado Democrático de Direito, não há Justiça

Os diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil — agora com a colaboração do jornal Folha de S. Paulo — mostram que as ações do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, quando atuava como juiz da Operação Lava Jato, têm conotação delituosa. Eles se somam a uma vasta e conhecida lista de atuações discricionárias, por isso mesmo à margem dos marcos que regulam a institucionalidade do país. Essas ações devem ser submetidas à lei? A resposta curta é sim. Mas há mais do que a resposta curta.

Desde os iluministas, os principais inspiradores das revoluções constitucionais — sem falar dos pensadores da antiguidade clássica —, existe o conceito de que violações da lei devem ser respondidas com a aplicação da lei. É bem conhecido o registro de Rui Barbosa asseverando que a Constituição não é roupa que se recorte para ajustá-la às medidas deste ou daquele interesse. A soberania da sociedade, ou a sua autonomia política, é a expressão da vontade coletiva, assegurada em um texto constitucional, sustentáculo do Estado Democrático de Direito.

Fora desse arcabouço, tudo mais é arbítrio, casuísmo e degeneração civilizatória. Foi o que fizeram Moro e seus comandados da Operação Lava Jato ao passarem ao largo dessa concepção. Divulgaram informações falsas, cometeram injustiças atrozes, causaram danos ao público e aos indivíduos, afrontaram a soberania nacional e atentaram contra a lógica, ofendendo o país e até o vernáculo.

A Constituição Federal ordena que todos — independente de cor ideológica — têm assegurado o direito à justiça que, na definição de Rui Barbosa, não pode ser frouxa e permissiva. Essa é a base para a estabilidade de uma nação democrática, o alicerce de um país soberano. A história mostra que os países que conseguiram erigir uma sólida plataforma institucional formularam projetos de desenvolvimento consistentes e duradouros. O Brasil, por exemplo, deve os seus êxitos aos saltos civilizatórios que promoveram sua modernização política e econômica.

Por outro lado, sempre que a legalidade democrática foi rompida vieram as crises — os exemplos mais claros são os dos golpes de 1964 e de 2016. Aqui está o ponto: como escreveu Friedrich Engels no prefácio do livro A luta de classes na França, de Karl Marx, com a legalidade os “revolucionários” revigoram seus músculos e ganham cores nas faces. “Prosperamos muito melhor com os meios legais do que com os ilegais e a subversão. Os partidos da ordem, como eles se intitulam, afundam-se com a legalidade que eles próprios criaram”, escreveu.

Um país democrático, enfim, ajusta sua conduta pela régua da justiça. A função do Estado Democrático de Direito é atuar como elemento neutro, sob a égide da lei, enfrentando a tentação à barbárie, à truculência. A história do Brasil, no entanto, está coalhada de golpes e tentativas de golpe para manter privilégios descabidos, conquistados à mão grande, promovidos por uma elite que acredita só ter direitos e panfleta atendê-los mesmo com rupturas institucionais. "Há duas classes no Brasil — a dos que pagam e a dos que não pagam impostos", disse o empresário Luiz Fernando Furlan quando era ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Esse é o dilema da atualidade. A legalidade democrática certamente conduz a sociedade para o progresso social e para a soberania nacional. Surge, então, a grande indagação: quais interesses movem as forças políticas e ideológicas que atentam contra a legalidade democrática? Dessa questão emerge a conclusão de que é possível, sim, organizar um movimento de forças diversificadas, capaz de reunir um largo espectro político e ideológico para fazer ressurgir o império do Estado Democrático de Direito. E com ele os direitos do povo e a esperança no futuro do país.