Bolsonaro arma trincheira contra o Brasil

Um governo à imagem e semelhança de Jair Bolsonaro. É o que vem acontecendo com as atabalhoadas trocas pelo presidente dos seus auxiliares direitos. Ao configurar o ministério com um perfil mais identificado com seus métodos de governar, Bolsonaro vai se entrincheirando cada vez mais no repertório da sua ideologia. Não há como deixar de constatar que essa configuração resulta num governo subqualificado, mas não é o caso de subestimar o seu potencial para promover retrocessos e estragos na institucionalidade e na economia do país.

Um governo mais identificado ideologicamente com Bolsonaro significa uma ameaça à democracia, com a imposição de medidas voltadas para acirrar os ânimos sociais. Sua conhecida obsessão pela discriminação de setores da população e a apologia ao uso da violência para mediar conflitos são um atestado de que os valores democráticos e humanistas da acumulação civilizatória brasileira não têm, para ele e seu séquito, a menor importância.

Essa insensibilidade social, bem ao gosto de uma elite cheia de privilégios históricos, é uma forma de lidar com os excluídos do seu projeto de governo, milhões de pessoas com necessidades tremendas e sem as estruturas do Estado para socorrê-las. Como resultado, Bolsonaro e seus patrícios conformam uma sociedade divida entre os que lutam com todas as forças pela sobrevivência e os que nutrem ódios sociais.

Diante deles, não há meio-termo: ou fica-se rouco tentando contestá-los ou recorre-se à artimanha de Galileu na corte romana, que para escapar da fogueira esconjurou o que acreditava e declarou aos juízes da Inquisição que o Sol girava em torno da Terra. Ele manteve-se vivo, assim como a Terra continuou a sua trajetória em torno do Sol. No bolsonarismo, ao contrário, a Terra plana que povoa sua ideologia está obstaculizando a marcha do progresso.

Não há, nessa ideologia, um segundo pensamento sobre as causas das mazelas do país. Não há limites éticos, não há pudores. Com essa constatação, fica fácil entender por que o vazio de propostas de Bolsonaro e sua trupe é preenchido com adjetivos fortes, não raro entremeados por formulações grosseiras e intelectualmente rarefeitas. Foi assim, por exemplo, quando Bolsonaro disse que Sérgio Moro, apanhado em ilícitos, faz parte da história — com ênfase no “tó” — do Brasil.

Não sem motivo, temas como política externa independente, desenvolvimento econômico, planejamento e papel do Estado não têm espaço no panorama político e no debate ideológico no país. Em lugar disso, o bolsonarismo defende a política do pé no peito e faca no pescoço como método de governo e de fazer “justiça”, um estilo ajustado às práticas dos procuradores de “escândalos” e promotores de arbítrios.

As calamidades que esse estilo de governar foi capaz de produzir em um curto período e está decidido a continuar produzindo é na verdade uma forma de opção preferencial pelo arcaísmo escravista e pela imobilidade social. Enquanto o governo se comporta assim, os números superlativos da crise ameaçam todo o aparelho econômico do país. Eles mostram um rápido sucateamento da indústria nacional e um cenário sem perspectiva para milhões de trabalhadores. É aterrador.

Esse cenário vai revelando, para o grande público, que este governo não tem a menor condição de tirar o Brasil do buraco. Mesmo seu discurso contra os “corruptos e incompetentes” perde força à medida em que aparece em seu interior uma legião de corruptos e incompetentes.

O perfil que o presidente vai forjando, de fidelidade canina aos seus propósitos e de argumentos rudimentares para justificar seus atos tresloucados, também tende à contribuir para aumentar o desgaste do governo. Mas a sua derrota só virá, mesmo, com um movimento de oposição de fôlego — sólido na sua estrutura ampla e claro nos seus objetivos táticos.