País afunda e Bolsonaro se ocupa com pinos

O anúncio do presidente da República, Jair Bolsonaro, de que ele vai revogar o uso da tomada de três pinos virou chacota entre oposicionistas no Congresso Nacional. Não pelo fato em si, mas pelo desatino numa conjuntura de agravamento da crise que assombra o país, assunto que deveria mobilizar todos os setores do governo para enfrentá-lo. Em lugar dessa urgência, o que se tem é o desmonte dos mecanismos do Estado instituídos para combater a histórica dívida social do país e, assim, criar um ambiente favorável à dominação da farra rentista.

A imensa maioria dos brasileiros não se encaixa na regra de um Estado eletrizado ao tratar dos interesses do poder financeiro e desidratado para enfrentar as questões sociais. É um projeto de poder. A forma aparvalhada de Bolsonaro conduzir o governo deixa nítido que ele tem obsessão pela agenda ideológica da extrema direita, enquanto entrega a pauta econômica ao destino da ortodoxia neoliberal e neocolonial do ministro da Economia, Paulo Guedes, cujo palavreado estridente e oco se desmancha pela inconsistência.

Com essa ideia na cabeça, Bolsonaro se diverte demitindo e admitindo gente do governo para formar uma espécie de curral domesticado por suas opiniões, pouco se importando se suas regras para governar têm ou não nexo com a realidade, pautando suas intervenções por frases de efeito e pelo que seu público-alvo quer ouvir. E assim ele vai levando adiante a sua salada de falsas questões, suas ideias esdrúxulas e suas promessas vazias servidas diariamente no noticiário político. É evidente a sua intenção de se entrincheirar em posições mais extremistas, sem tolerar os que questionam sua linha ideológica e política.

O presidente trata questões que deveriam ser políticas ou técnicas como caça às bruxas. A afinidade com suas ideias estapafúrdias vem em primeiro lugar. Isso explica, por exemplo, a sobrevivência do ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, alvo de denúncias gravíssimas. Explica, também, seu esforço para proteger o enroladíssimo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro. Explica, ainda, por que este governo rompeu com a pauta externa que priorizava a soberania nacional e prezava o papel geopolítico do Brasil para se submeter à vassalagem explícita, manifestada sobretudo com a visita de Bolsonaro à Casa Branca.

O desafio é administrar essa agenda e conviver com o rápido avanço da deterioração econômica e social do país. Bolsonaro e Guedes dizem que é possível. O povo não acredita. O que já é possível enxergar é que a mistificada ortodoxia do ministro da Economia — uma verdadeira ojeriza a qualquer possibilidade de se lançar mão de mecanismos do Estado para socorrer principalmente urgências sociais — atua como uma bola de chumbo atada ao tornozelo da produção, impedindo a geração de empregos e a retomada do crescimento econômico.

Por essas e outras, Bolsonaro e Guedes não passam verdade em suas promessas. Assim como Moro, que não consegue sustentar sua defesa diante da revelação do escandaloso conluio da Operação Lava Jato para afrontar o Estado Democrático de Direito e substituir o exercício da política pelo autoritarismo das chicanas jurídicas. Suas manifestações são inconsequentes, à altura dos subníveis de suas formulações na condução dos processos que passaram por suas mãos quando ele exercia a magistratura.

Sua visita ao Senado na próxima quarta-feira (19) deve esclarecer ainda mais a natureza deste governo. O Senado é tido como um ambiente mais contido, diferente da Câmara dos Deputados. Lá, o ministro teria a chance de se explicar, mas, como disse o senador Renan Calheiros (MDB-AL), a validação da atuação de Moro seria a falência do sistema judiciário. “Tão óbvio que dispensa o VAR”, ironizou. Em resumo: o governo Bolsonaro trocou a gestão política do país pelo espetáculo circense. Mas o circo pode pegar fogo. A grave ameaça que paira sobre a nação exige a intensificação de ações amplas e unitárias das forças democráticas e patrióticas.