Greve ecoa história da classe trabalhadora

A paralisação deste dia 14 tem uma singularidade histórica. Ela ocorre num momento em que as instituições democráticas sofrem abalos, gerando instabilidade política, ao passo que o país mergulha numa degradação social de grande magnitude. A pauta da greve enfeixa os fatores constituintes de uma nação democrática e soberana, sintetizados na chamada questão social. Nada simboliza melhor esse conceito, atualmente, do que o direito à aposentadoria, o mote principal desta paralisação.

Por conseguinte, a defesa do trabalho — ou do emprego, como se diz convencionalmente — assume o sentido de primazia. Para se pensar em aposentadoria, é preciso considerar o papel do trabalho. E a clássica formulação teórica dos mecanismos de geração de riqueza, ou de valor, entra como elemento fundamental para a compreensão de conceitos que estão na pauta dessa grave, entre eles a democracia.

Ao longo da história, ou pelo menos desde que o capital apareceu como fator dominante da regulação social, os trabalhadores se conscientizaram de que sem espaços democráticos a defesa de seus direitos se torna quase impossível. Essa síntese explica por que, desde os primórdios da Revolução Industrial, a luta dos trabalhadores reivindica como prioridade garantias democráticas. Em torno dessa bandeira se organizaram amplos movimentos políticos. Ela também impulsionou saltos civilizatórios, como as revoluções dos séculos XIX e XX.

No Brasil, desde que surgiram os trabalhadores assalariados a história registra feitos épicos. Tudo o que existe na legislação social do país pode ser creditado a essas lutas. Nas duas primeiras décadas do século XX, as greves e protestos variados moldaram o que seria o sistema social regulamentado pela Revolução de 1930. As memoráveis jornadas que tiveram seu pico com a greve geral de 1917 resultaram num país socialmente mais consciente, mais comprometido com a democracia.

Não se pode falar dos contestadores anos da década de 1920 sem considerar esses acontecimentos. Tampouco se pode avaliar o pós-Revolução de 1930 sem puxar esse fio histórico. Ele deu a base para o salto na organização dos trabalhadores, como o marcante Movimento Unificador dos Trabalhadores (MUT), protagonista na redemocratização do país consagrada pela Constituição de 1946. Com base nesse salto, os trabalhadores brasileiros enfrentaram as ameaças de retrocessos com mais uma jornada de greves que marcou a virada das décadas de 1950-1960.

Mesmo quando os trabalhadores estiveram arrochados pela ditadura militar, protagonizaram ações de grande relevância — como as greves de Contagem, Minas Gerais, e Osasco, São Paulo. Quando o regime começou a emitir sinais de falência, no final da década de 1970, mais uma vez coube aos trabalhadores prosseguir com o combate que levaria à derrota dos golpistas. Na redemocratização, o movimento sindical, que se impôs como organização política importante, desempenhou papel protagonista na consolidação da democracia com a Constituição de 1988.

Na década de 1990, novamente os trabalhadores foram convocados pela história para entrar em cena e combater o projeto neoliberal, a nova arma política da direita. Ainda está na percepção do país os motivos dos embates de rua, das grandes greves e dos manifestos em defesa de direitos sociais, da democracia e da soberania nacional. Como resultado dessa evolução, chagaram as conquistas do ciclo democrático e progressista dos governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

A greve geral deste dia 14 tem esse simbolismo. Ela representa as lutas dos trabalhadores que vêm do século XIX, e que legaram outros processos históricos de combate ao escravismo. O ataque às instituições democráticas de hoje é um ataque ao que o país acumulou como direitos do povo ao longo da história. É uma resistência ao desmonte anunciado do que foi conquistado com as lutas do antes e do depois da Revolução de 1930, com a Constituição de 1946 e, sobretudo, com a Constituição de 1988.