Atlas da Violência, contra a política de morte, a favor da vida

Recentemente o governador maranhense Flávio Dino (PCdoB)  denunciou que há uma agenda da morte no país – que inclui várias ações do governo federal, entre as quais a flexibilização do porte de armas de fogo.

A denúncia do governador foi corroborada pela divulgação do "Atlas da Violência 2019", do Ipea e do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), na quarta-feira (5). O Atlas reitera resultados semelhantes de edições anteriores e reforça a preocupação com a situação atual no país, em que a violência pode aumentar justamente pela falta de políticas públicas para reduzi-la.

A tragédia se apresenta ainda mais danosa quando se constata que as vítimas são principalmente jovens: 59,1% do total de mortes de homens entre 15 a 19 anos.

Situação que vai além do pesado drama humano. Tem consequências negativas para o desenvolvimento do país: no momento em que a população brasileira envelhece (a chamada transição demográfica) a morte de "jovens gera fortes implicações, inclusive sobre o desenvolvimento econômico e social", alerta o Atlas que adverte para as "severas consequências sobre o futuro da nação."

Registra, por exemplo, consequências econômicas da violência. Mostra como, em 2017, "o impacto no custo de logística, no auge dos roubos de cargas no Rio de Janeiro", levou 13% das empresas transportadoras à falência, e os preços de algumas mercadorias ao um aumento de até 30%, "devido ao custo do frete e do seguro".

O estudo do IPEA e do FBSP avaliou esse impacto na economia brasileira e concluiu que ele provoca a perda de algo como 5,9% do PIB, desperdiçado anualmente.

O Atlas vai fundo na análise dessa situação no Brasil e constata "o aumento da violência letal contra públicos específicos, incluindo negros, população LGBTI, e mulheres, nos casos de feminicídio".

O Estatuto do Desarmamento, de 2003 – sob ataque desde o golpe de 2016, ampliado após a posse de Jair Bolsonaro na presidência da República – é citado como forte fator para diminuir a violência no país, tendo conseguido "frear a escala armamentista.

O percentual de mortes por armas de fogo, em relação ao total de homicídios, se estabilizou no patamar de 70% até 2016 (quando ficou em 71,1%), ante um índice de 46,9% em 1980 e que cresceu consistentemente até 2003". Se "não fosse o Estatuto do Desarmamento, a taxa de homicídios teria crescido 12% a mais até 2007", diz o estudo.

O assassinato de jovens (15 a 29 anos) "tem crescido no Brasil desde a década de 1980", registra o Atlas. Em 2017, foram mortos 35.783 jovens – 69,9 mortes em cada grupo de 100 mil jovens (um aumento de 37,5% desde 2007, quando foi de 50,8 por grupo de 100 mil). Esse número de assassinatos foi recorde nos últimos dez anos, tendo sido a causa a principal de mortes de jovens em 2017. E o número é crescente.

Foi um aumento de 38,3% entre 2007 e 2017. Pior ainda – entre 2016 a 2017, o número cresceu 6,4%. Situação que reflete a falta de "investimentos na juventude, por meio de políticas focalizadas nos territórios mais vulneráveis socioeconomicamente, de modo a garantir condições de desenvolvimento infanto-juvenil, acesso à educação, cultura e esportes, além de mecanismos para facilitar o ingresso do jovem no mercado de trabalho".

Quando o estudo desdobra a análise em relação à mulher, aos negros e à população LGBT, a dramaticidade da situação aumenta.

Constata um aumento dos assassinatos de mulheres em 2017, quando houve cerca de 13 mortes por dia. "Ao todo, 4.936 mulheres foram mortas, o maior número registrado desde 2007" – um crescimento de 30,7% na década que vai de 2007 a 2017, e um aumento de 6,3% entre 2016 e 2017. A taxa de assassinatos era de 3,9 por 100 mil em 2007, e passou para 4,7 em cada 100 mil mulheres dez anos depois.

Número ainda pior quando se trata de mulheres negras – foram 66% das mulheres assassinadas em 2017. Neste ponto, em relação à morte de mulheres, o estudo registra mais uma vez a preocupação com "a flexibilização em curso da posse e porte de armas de fogo no Brasil".

Em 2017 mais de 221 mil mulheres registraram, na polícia, casos de agressão em decorrência de violência doméstica. "Considerando os altíssimos índices de violência doméstica que assolam o Brasil, a possibilidade de que cada vez mais cidadãos tenham uma arma de fogo dentro de casa tende a vulnerabilizar ainda mais a vida de mulheres em situação de violência".

Contra os negros, reiterando o racismo já constatado em suas edições anteriores, o "Atlas da Violência 2019" volta a registrar a mesma situação calamitosa que envergonha o país. "Verificamos a continuidade do processo de aprofundamento da desigualdade racial nos indicadores de violência letal no Brasil" – em 2017 os negros sofreram 75,5% de todos os homicídios. A taxa foi de 43,1 em cada grupo de 100 mil negros, número muito maior do que o registrado entre os brancos, que foi de 16,0 por 100 mil. Isto é, em 2017, entre os negros foi 2,7 vezes maior do que entre os brancos.

Em uma década (2007 a 2017) entre os negros a taxa de homicídios cresceu 33,1%, e entre os brancos teve um pequeno aumento de 3,3%. Entre 2016 e 2017 o número de assassinatos de brancos teve uma queda de 0,3%, enquanto entre os negros teve um grande crescimento, de 7,2%.

Novamente o Atlas da Violência constata a permanência da "profunda desigualdade racial no país".

Uma novidade do “Atlas” na edição deste ano é a apresentação, embora ainda precária devido à falta de transparência dos dados estatísticos, é a questão da violência contra a população LGBTI+. O estudo destaca que "aparentemente, o problema tem se agravado nos últimos anos", quando o número de denúncias de assassinatos entre este segmento da população cresceu "de um total de 5 casos, em 2011, para 193 casos, em 2017. Apenas no último ano houve um crescimento de 127%."

Neste particular, o estudo registra que "o Brasil é um dos quatro países que concentram 80% dos assassinatos de ativistas por direitos humanos registrados no mundo". Entre as 312 mortes de defensores de direitos humanos no mundo em 2017, no Brasil ocorreram a metade delas: 156. Neste ponto, o Atlas lembra o assassinato da vereadora negra, lésbica, feminista e ativista por direitos humanos Marielle Franco, em março de 2018. E sublinha que, apesar do apagão estatístico, há "evidências do aumento de casos de violência contra a população LGBTI+".

Posicionando-se contra a flexibilização da posse de armas de fogo, o estudo registra que "a cada 1% a mais de armas de fogo em circulação há um aumento de 2% na taxa de homicídio" – desmentindo a tese de Bolsonaro e de seu séquito de que a posse de armas aumenta a segurança pública. Registra ainda que "se não fosse o Estatuto do Desarmamento, a taxa de homicídio teria aumentado 12% acima da verificada, entre 2004 e 2007".

Com estes dados, se torna ainda mais evidente a necessidade da sociedade e do Congresso Nacional debaterem o denominado “Pacote Moro”. Este “embrulho” para muitos especialistas e estudiosos em Segurança Pública se aprovado, nos termos de sua redação, irá provocar mais encarceramento e mais mortes. O encarceramento em massa, sobretudo nas péssimas condições das prisões do país, tende a robustecer as fileiras do crime do organizado. E a alteração no Código Penal que, na prática, resulta em “licença para matar” associada a liberalização do porte de arma será um fermento que fará inflar ainda mais esses terríveis números do Atlas.

Os fascistas espanhóis do ditador Francisco Franco proclamavam "viva la muerte". Contra tendência semelhante proclamam-se todos os que almejam e buscam a paz e o bem estar da população e confrontam-se com a intolerância propagada especialmente pela extrema-direita e seu presidente Jair Bolsonaro. Tal posição é reforçado pelo Atlas da Violência 2019, que enfatiza a necessidade de políticas públicas que a um só tempo assegurem a paz e a segurança que a sociedade almeja e proteja o direito à vida.