A democracia, a agenda econômica e a balbúrdia política

As controvérsias no campo que apoia o governo Bolsonaro são uma clara demonstração das causas que corroem a sua sustentação política. Em cinco meses, ele conseguiu a façanha de desagradar mais do que agradar aos seus aliados de campanha. Óbvio, é preciso considerar que boa parte da base que sustentou a sua candidatura, sobretudo no segundo turno, o fez por razões conjunturais. Havia um clima de pressão política e uma atmosfera criada pelos ventos do impeachment golpista da presidenta Dilma Rousseff de 2016 que favoreceram a sua vitória.

O principal ponto unificador era a agenda econômica, uma espécie de receita milagrosa que prometia tirar o país da crise rapidamente. Mesmo com o apoio a Bolsonaro, não foram poucas as críticas de setores da direita dita liberal aos seus desatinos decorrentes da ideologia da extrema direita. Incapaz de articular um processo político que ao menos indicassem alguma probabilidade de avanço dessa agenda, esses setores começaram a emitir sinais de descontentamento.

Há um choque entre o desejo de que essa agenda ganhe celeridade e a balbúrdia política que se instalou na ala dita ideológica do bolsonarismo. A deterioração da harmonia nos setores que apoiam o governo tem como pano de fundo essa contradição. Não há como sequer sustentar qualquer promessa de que o país caminha para a recuperação diante da ausência de perspectiva de que surgirá um processo capaz de engrenar a tão desejada agenda econômica que aglutinou os apoiadores do candidato Bolsonaro.

Com isso, os efeitos da crise, que se agravam rapidamente, indicam para o povo dias terríveis pela frente. Naturalmente, a esperança de que as promessas de campanha se concretizem vão se desfazendo rapidamente. A falta de horizonte se torna ainda mais exasperante com as medidas do governo que atingem questões essenciais para o povo — como a proposta de liquidar a aposentadoria, os ditos contingenciamentos de verbas das universidades e os arrochos orçamentários que impactam fortemente áreas socialmente sensíveis como, além da educação, saúde e infraestrutura.

Esse conjunto de fatos compõe o cenário de desesperança do povo e, consequentemente, de desaprovação do governo. A reação bolsonarista tem sido a de intensificar as ameaças à democracia, o cerne da sua ideologia. Esse ponto pode ser considerado o nó górdio da agenda da extrema direita. Em torno dele começa a surgir um amplo movimento que tende a se consolidar e avançar para outros pontos, como a retomada do crescimento de forma condizente com o potencial do país e a defesa da soberania nacional.

Claro, fala-se aqui de um cenário político em rápida transformação. Em situações assim, os acontecimentos não se encadeiam numa perspectiva de superação da crise automaticamente. A ação política é o componente decisivo. Cada passo na direção da aglutinação das forças que se opõem à ideologia da extrema direita conta muito para se construir patamares que servirão de apoio para outros avanços, uma dinâmica que não se viabiliza se a defesa da democracia não estiver em seu vértice.

Só num ambiente democrático será possível buscar saídas para a crise. Nele, as diferenças políticas e ideológicas podem ser discutidas abertamente e as sínteses encontradas serão sustentadas pelo arcabouço da legalidade constitucional, num processo de constante incorporação das aspirações do povo à dinâmica social e econômica do país. Como diz o adágio, os passos de hoje definem o caminho para o futuro.