Chico Mendes e a ignorância do ministro a serviço do capital

Atribui-se ao filósofo Baruch Spinoza (1632/1677) a frase "a ignorância não é argumento". Spinoza foi um notável pensador que resistiu ao dogmatismo e ao obscurantismo em seu tempo, há quase 350 anos. Mas sua frase e sua luta vêm à mente quando o Ministro do Meio Ambiente do governo direitista de Jair Bolsonaro, Ricardo Salles enxovalha, em entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura, nesta segunda-feira (11), a memória de um grande brasileiro, Francisco Alves Mendes Filho, o Chico Mendes, assassinado por ordem de latifundiários há 30 anos. Salles disse, textualmente: “Eu não conheço o Chico Mendes". Ignorância que não o impede de tomar partido´: "escuto histórias de todos os lados. Dos ambientalistas mais ligados à esquerda, que o enaltecem. E das pessoas do agro que dizem que ele não era isso que contam. Dizem que usava os seringueiros pra se beneficiar”, afirmou. Dando guarida à difamação difundida desde a época do assassinato do líder seringalista e defensor da floresta amazônica, em 22 de dezembro de 1988.

A história de Chico Mendes é conhecida, como o próprio Salles, contraditoriamente atesta. Sindicalista desde a década de 1970, ele se tornou notável pela luta em defesa de índios, seringueiros, extrativistas, castanheiros, pescadores, ribeirinhos e todos os moradores da mata. Destacou-se como liderança nacional da resistência ao latifúndio improdutivo que ameaçava estes moradores humildes. Recebeu inúmeras ameaças de morte, concretizadas naquele final de ano, a mando dos fazendeiros Darly Alves da Silva e seu filho, Darcy Alves Ferreira, que foram presos e condenados por seu assassinato.

Ativista político, teve ligações com os comunistas, foi divulgador do jornal Movimento, de oposição à ditadura, foi vereador em Xapuri (Acre), sua cidade pelo partido da então oposição, o MDB; em 1980, esteve entre os fundadores do Partido dos Trabalhadores (PT). Quando foi assassinado era presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Xapuri.

Foi ante uma figura histórica deste calibre, mundialmente reconhecido como símbolo da luta contra os desmandos dos latifundiários e grileiros destruidores da Amazônia, em defesa da preservação da floresta, que Ricardo Salles teve a ousadia de perguntar:

“Que diferença faz quem é Chico Mendes?”

Ele revela, em sua alegada ignorância, a extrema arrogância de representantes do grande capital que se recusam a acatar as leis de proteção do meio ambiente, e querem flexibilizar a fiscalização mesmo em barragens que podem representar perigo para trabalhadores e a população. Pouco se importam com os desastres ocorridos em Mariana e Brumadinho (MG), e que podem antecipar outras calamidades geradas pela irresponsabilidade de gente que pensa como Salles, e acatam apenas os interesses financeiros e a ganância de lucro capitalista.

A pergunta que cabe fazer, neste episódio desrespeitoso em relação a um herói nacional, é: Quem é Ricardo Salles? Este sim, um desconhecido que os brasileiros precisam conhecer melhor para se defender das falácias que comete. É um legítimo representante de grandes interesses do capital, ao qual subordina a ação ministerial quando, ao contrário, deveria – até pela função pública que ocupa – defender harmonia entre a preservação da natureza e o desenvolvimento com geração de emprego e distribuição de renda. Mas não. Ele é processado por improbidade administrativa pois, quando foi Secretário do Meio Ambiente do governo de Geraldo Alckmin, em São Paulo, foi acusado pelo Ministério Público estadual e se tornou réu em uma ação civil pública sob a acusação de ter alterado ilegalmente o zoneamento da proposta de plano de manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Rio Tietê, para atender aos interesses de grandes empresas. Mesmo assim foi nomeado ministro pelo presidente-capitão e, no cargo, não faz a defesa do meio ambiente mas ataca os que se destacam na luta ambiental. Como nas mentiras que endossa sobre Chico Mendes, lorotas contadas pelos latifudiários desde o tempo de seu assassínio.