Bolsonaro e a diplomacia de intervenção na Venezuela

O casal do apartamento ao lado vive às turras, em brigas violentas e barulhentas. Qual a atitude mais prudente que se pode tomar a respeito? Tentar apaziguar, fazê-los conversar e acertar as diferenças, ou chamar um deles de lado e incitá-lo a aprofundar a briga, falar mal do outro e oferecer apoio e até armas, se for o caso?

Mal comparando, é o que ocorre com a Venezuela, país vizinho e amigo do Brasil – com quem compartilha inclusive a memória de um lutador pela independência, o general José Inácio de Abreu e Lima que, sendo brasileiro – pernambucano mais exatamente –, é um grande herói do país vizinho, reconhecido por sua participação, sob o comando de Simon Bolivar, da guerra da Independência, no século XIX. Como historiador e escritor, foi autor do livro “O Socialismo”, publicado no Brasil em 1855.

Até por isso a Venezuela é um vizinho muito próximo dos brasileiros, em relação ao qual o governo direitista de Jair Bolsonaro rompe outra tradição brasileira que já dura cerca de um século e meio – desde o final da Guerra do Paraguai, em 1870, o Brasil não intervém nos assuntos internos de outra nação.

Não é o que fez, nesta quinta-feira (17), o presidente Jair Bolsonaro e seu chanceler, Ernesto Araújo, que tiveram um encontro com integrantes da oposição venezuelana – o ex-prefeito de Caracas Antonio Ledezma, o ex-presidente da Assembleia Nacional (AN) Julio Borges, o número dois do partido Vontade Popular (VP), Carlos Vecchio e o ex-juiz Miguel Ángel Martín.

A "Operação Venezuela" tem o claro sentido de uma tomada de partido face ao conflito que conflagra aquele país sul-americano. É como se, no exemplo dos vizinhos citado acima, a chancelaria brasileira tenha aberto mão de qualquer esforço de chegar ao entendimento através de conversações e, ao invés de aconselhar pelo apaziguamento, resolveu alimentar a fogueira.
É outro serviço sujo que o governo de Jair Bolsonaro presta a seus patrões dos Estados Unidos e ao chamado Grupo de Lima, que segue a orientação de Washington.

Embora aqueles oposicionistas venezuelanos não representem o conjunto dos que se opões ao governo legítimo de Nicolás Maduro, eles tentam encontrar – com o apoio de Jair Bolsonaro, que reforça a orientação do estadunidense Donald Trump – um caminho para pôr abaixo o governo do país vizinho. Informa o jornal “O Globo” que a pauta da conversa entre Araújo e os venezuelanos foi a crise naquele país e a eventual troca de governo – tema que também esteve na agenda do encontro entre o argentino Maurício Macri e Bolsonaro, em Brasília. Eles chegaram inclusive a discutir um eventual cenário militar para a crise da Venezuela. E estão dispostos a reconhecer um provável substituto de Maduro – que, especula-se, poderia ser Juan Guaidó, atual presidente da Assembléia Nacional da Venezuela e que, nesta segunda-feira (14), proclamou-se presidente no lugar de Nicolás Maduro

A crise da Venezuela é grave, não há dúvida. A atitude civilizada e democrática diante dela não pode ser outra a não ser reconhecer que é um assunto a respeito do qual cabe ao povo venezuelano decidir, soberanamente. O que os países amigos podem fazer é instar por conversações, por negociações que permitam uma convivência pacífica entre os vários grupos que lá se enfrentam. O que se espera de uma diplomacia civilizada e democrática é que, respeitando a soberania nacional venezuelana, ofereça uma mesa onde esta negociação ocorra. E nunca que tome partido a favor de uma força que ignora uma eleição legítima e infringir um golpe que pode trazer graves consequências para a Venezuela e agravar ainda mais a situação do povo venezuelano.