Os ataques iniciais do governo Bolsonaro

Nas primeiras ações da equipe do presidente Jair Bolsonaro existem dois aspectos essenciais. O primeiro é o reforço da retórica demagógica e truculenta que marcou a trajetória do candidato e seus comportamentos depois de eleito; o segundo são as medidas que começam a dar efetividade ao governo. Nos anúncios das iniciativas já adotadas predominaram os pronunciamentos exasperados, muitas vezes com mais ênfase na forma do que no conteúdo. Do que se anunciou, as questões mais relevantes são as medidas no âmbito da economia, do Ministério das Relações Exteriores, do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da remontagem administrativa do Estado.

Os retrocessos são gigantescos. No campo da economia, o superministro Paulo Guedes adotou a retórica da chantagem, prometendo romper a institucionalidade constitucional e se apossar de verbas orçamentárias de áreas como saúde e educação para cobrir o rombo de R$ 419,40 bilhões, correspondente a 6,71% do PIB, caso a “reforma” da Previdência Social não seja aprovada com urgência. Ele prometeu, como segunda opção, uma proposta de emenda constitucional desvinculando do Orçamento esses recursos que seriam usados no “ajuste fiscal”.

A retórica ameaçadora faz parte do método arrogante desse governo. Paulo Guedes, mais uma vez, impõe seus dogmas que soam como música para os ouvidos do chamado “mercado”, uma lógica de reduzir as fatias do Orçamento que atendem as necessidades vitais do povo para engrossar o fluxo dos recursos públicos que alimentam o rentismo das oligarquias que dominam o mercado financeiro. O mesmo princípio se aplica aos recursos naturais, sobretudo o petróleo do pré-sal, e as empresas estatais, em especial a Petrobras. São medidas que equivalem a tomar recursos e patrimônios do povo para entregá-los às oligarquias e ao capital estrangeiro.

A política do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, tem o mesmo sentido. Não é possível sustentar a tese de que com a diplomacia brasileira subordinada aos ditames da Casa Branca o Brasil entra numa era de preservação dos seus interesses acima de tudo, como pregou o ministro. Ao renunciar à multilateralidade que marcou a diplomacia do Itamaraty do ex-chanceler Celso Amorim, primeiro com o golpe de 2016 e agora com a política de Ernesto Araújo, o Brasil se submete à órbita norte-americana, com implicações de ordem econômica e política.

Essas regras das políticas econômica e externa formam duas frentes do governo Bolsonaro que afrontam os interesses do povo e a soberania nacional. Nelas estão contidas, politicamente, as medidas do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, que são inquestionavelmente contrárias à letra e ao espírito da Constituição, em especial o projeto de lei de execução da condenação criminal após decisão da segunda instância.

O redesenho do Estado para moldá-lo ao projeto Bolsonaro é outro indicador de que a democracia está sendo vilipendiada. O ataque à institucionalidade que regula as relações de trabalho, uma conquista de duras lutas seculares, é a face mais cruel dessa remodelagem. O mesmo pode ser dito das políticas públicas e sociais de alcance estratégico para a correção de injustiças, que estão passando por remodelações para desfigurá-las ou extingui-las. Setores da população fragilizados pela natureza histórica das relações políticas e econômicas do país voltam a ser expostos à violência e à exploração, como as mulheres, os indígenas, os negros e os LGTBs.

Essa fotografia inicial do governo permite a constatação de que a oposição ao bolsonarismo tem sentido estratégico, histórico. Estão alinhados a ele os métodos que marcaram a reação ao progresso do país, conhecidos pela truculência e rupturas institucionais, uma herança que agora volta a se manifestar com força. Para combatê-lo, impõe-se a formação de um amplo movimento, firme e heterogêneo, um processo político com força suficiente para erguer barreiras de contenção ao avanço dos ataques à democracia, à soberania nacional e aos direitos do povo.