Entrega da Embraer atenta contra a nação

Até os galpões da Embraer sabem que o negócio envolvendo a empresa e a gigante Boeing é um flagrante entreguismo. O Brasil abre mão de um projeto que nasceu em 1969 com tecnologia do Departamento de Ciência e Tecnologia da Aeroespacial (DCTA) e do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA). A Embraer já havia sido abalada como empresa nacional na privatização de 1994, mas agora ela perde completamente o controle sobre suas decisões estratégicas, mesmo se o chamado golden share (ação de ouro), que permite ao governo vetar medidas contra a economia nacional, continuar.

A Boeing ficou com a parte mais lucrativa do negócio. Com a criação de uma nova empresa, a gigante do setor passa a deter 80% do seu capital, controlando os departamentos dos jatos comerciais. A parte militar será outra empresa, liderada pelo projeto do avião KC-390, com a Embraer controlando 51% do capital, uma parte que representa apenas 20% do faturamento e tem como grande negócio a encomenda da própria Força Aérea Brasileira: 28 cargueiros ao valor de R$ 7,2 bilhões.

Essa marcha entreguista traduz, a rigor, o desdobramento de um projeto de governo sem compromissos com a soberania nacional. Desde o fim da ditadura militar, em 1985, o Brasil vive numa espécie de encruzilhada. Obteve conquistas importantes — como a Constituição de 1988 e a aglutinação de forças patrióticas que disputaram com protagonismos as eleições presidenciais até a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva em 2002 —, mas também sofreu sérios reveses, primeiro com a “era neoliberal” e agora com a marcha golpista que levou a extrema direita ao poder.

Nesses dois interregnos em que o governo ficou nas mãos da direita, o entreguismo foi praticado sem titubeio. Era visível que se em 1989 não fosse eleito um governo comprometido com um desenvolvimento independente, que abrisse clareiras para o progresso efetivo, o país submergiria na degradação econômica, política e social. Essa previsão era decorrência de uma lógica que permeou o século XX. Após a derrota do regime militar, o país foi tomado pela esperança de um novo rumo para o seu desenvolvimento, sentimento frustrado com os resultados eleitorais até 2002 e agora com o golpe de 2016.

A prática dos golpistas explica por que o Brasil ainda não conseguiu adotar um projeto eficiente para administrar de forma duradora suas mais elementares contradições, como as questões agrária e indígenas, as causas do desemprego e da violência urbana, assim como a precariedade dos serviços públicos. Mais uma vez, as forças do atraso entreguista levantaram-se com suas políticas privatistas que atende a interesses das grandes corporações econômicas estrangeiras, às custas do cerceamento do desenvolvimento do país e dos avanços sociais.

A entrega da Embraer está inserida nesse projeto histórico da elite brasileira. Na mesma dimensão, pode-se incluir outras empresas estratégicas, especialmente a Patrobras. Não é possível definir um caminho de desenvolvimento com soberania nacional com esse projeto de governo, que abre mão da administração da sua economia, uma simbiose deletéria oligarquia-capital estrangeiro.

O Brasil precisa de mais Estado para defender a soberania nacional e promover a horizontalidade de oportunidades. A história mostra que os curtos períodos em que os investimentos públicos foram privilegiados, o país deu um salto de qualidade. Sem eles talvez o Brasil fosse hoje uma vasta região do planeta vivendo ainda de modo somente extrativista.