Entreguismo versus patriotismo

É possível dizer com segurança que o Brasil sob o governo do presidente eleito Jair Bolsonaro terá um elevado potencial de explosão social. Ele é, em essência, a antítese do passado recente político e econômico do país. Após um período de neoliberalismo radical, precedido de uma década tida como perdida e um longo regime ditatorial — que levaram o país à beira do caos —, abriu-se um caminho em direção ao desenvolvimento com democracia e progresso social. A ruptura, com o golpe de 2016, veio de maneira abrupta, decidida a restaurar a ordem antiga em marcha acelerada.

O futuro governo, que abrigará em seu interior a máquina predadora e geradora de ineficiências do poderoso do superministro Paulo Guedes na economia, terá também uma política externa completamente subserviente à cartilha de Washington. Nesse aspecto, há inclusive a pretensão da equipe de Bolsonaro de formar uma barreira ideológica com a pretensão de impedir a volta da esquerda ao poder, organizando a direita no continente latino-americano, conforme proclamaram próceres do conservadorismo na 1ª Cúpula Conservadora das Américas, recentemente realizada na cidade paranaense de Foz do Iguaçu.

Conforme noticia o jornal Folha de São Paulo, a tônica do evento foi sintetizada por Jair Bolsonaro em sua conta no Twitter ao afirmar que “por muito tempo o pensamento conservador e os valores familiares que predominam em nossa sociedade foram marginalizados graças a um projeto de poder revolucionário tocado por lideranças de esquerda em todo o continente”. E agora, de acordo com ele, é o momento de propor novos caminhos. Pode-se dizer que esses caminhos dão em realidades como a da Argentina do governo do presidente Maurício Macri, ou nos resultados das utopias neoliberais que geram explosões sociais e presidentes fugindo do povo por telhados de palácios presidenciais.

No Brasil, esse discurso é antigo. Para não retroceder muito na história, há a trajetória da afirmação nacional na década de 1950 e início da década de 1960. Quando Getúlio Vargas assumiu o seu segundo governo, enfrentou a crise econômica acelerando o papel do Estado na economia. Ele aplicou — como havia feito no início da década de 1940 — uma orientação política que correspondia às tendências nacionalistas. A atenção de seu governo concentrou-se nas medidas que possibilitariam o avanço da industrialização, apoiada preferencialmente no capital nacional e orientada para o mercado interno.

O governo do presidente Juscelino Kubitscheck beneficiou-se dos esforços empreendidos por Vargas para conduzir o país ao salto da industrialização pesada. Em um discurso no Clube Militar, palco de intenso debate sobre os destinos do país, ele disse: "O Brasil já se tornou adulto. Não somos mais os parentes pobres, relegados à cozinha e proibidos de entrar na sala de visitas. Só pedimos a colaboração de outras nações. Através de maiores sacrifícios poderemos obter a independência política e, principalmente, a econômica, sem ajuda de outros."

Mesmo o presidente da República conservador Jânio Quadros renunciou, em 25 de agosto de 1961, alegando que "forças terríveis levantaram-se contra mim”, minando seus “esforços para conduzir esta nação pelo caminho de sua verdadeira libertação política e econômica, o único que possibilitaria o progresso efetivo e a justiça social, a que tem direito seu generoso povo". João Goulart, que assumiu o seu lugar, retomou a linha desenvolvimentista, depois rompida com a truculência de 1964, sob a retórica do falso moralismo, algo que se reproduz agora com a retomada do fio conservador que se impôs, naquela época, pela violência golpista dos militares.

O discurso salvacionista, que mescla misticismo com ameaças, de volta às bocas da extrema direita, não tem nenhuma possibilidade de gerar um país melhor para a imensa maioria dos brasileiros. Ao que tudo indica, ele acentuará a disparidade de propostas disputando a hegemonia do país, formando leques de opções com polos antagônicos. E inaugura uma era de acirramentos sociais de grandes dimensões. Essa prática direitista recorrente reflete a lógica da luta pela sobrevivência dos ideaisreacionário e antinacionais frente às aspirações populares.

Toda a nossa história mostra que a República é vista pela ampla maioria da sociedade como a negação do conservadorismo e sinônimo de independência nacional — um movimento que surgiu com Tiradentes e seus companheiros em 1789, com os Alfaiates em 1798, com os republicanos do Nordeste em 1817 e 1824 e que marcou profundamente o século XX. A história das lutas do povo no Brasil tem evolução e refluxo. A perspectiva transformadora, patriótica, no entanto, não deixou de se firmar com todas as forças, gigantescas em certos casos. O desafio agora e criar as condições para a retomada desse caminho.