A trágica política externa de Bolsonaro

A política externa pode ser considerada o coração da soberania de um país. No Brasil, esse tema tem sido tratado com extremo interesse especialmente desde que José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, firmou as bases para um entendimento mais profundo sobre a importância das relações internacionais. Getúlio Vargas sofreu pressões por adotar políticas soberanas. Jânio Quadros foi acossado pela posição do Brasil favorável à participação da China nas Nações Unidas e ao reatamento das relações com a União Soviética, rompidas desde 1947. E João Goulart sofreu ataques por conta da sua política externa não alinhada aos interesses dos Estados Unidos. 

Jair Bolsonaro, ao tratar o assunto de uma forma que motivou controvérsias, deu mostras de que os interesses brasileiros são os que menos contam nas relações internacionais do seu governo. Ele gerou confusões e atritos com os países árabes ao anunciar que poderia mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém — ignorando que as Nações Unidas jamais reconheceram a cidade como parte do território israelense —, atacou o Mercosul, menosprezou os investimentos chineses, ameaçou cortar relações diplomáticas com Cuba e criticou o Acordo de Paris, com seus compromissos para diminuir os impactos da mudança climática.

No caso dos países árabes, está em jogo um mercado importador de quase US$ 10 bilhões em produtos brasileiros. Com a China, o Brasil tem projetos que representam aportes superiores a US$ 120 bilhões. O fim das relações diplomáticas com Cuba implicaria, além da interrupção do fluxo comercial, o corte da oferta cubana de serviços médicos. No Mercosul, o atrito mais grave é com a Argentina, o principal parceiro do Brasil no bloco; a soma dos dois países dá uma potência que, em termos de Produto Interno Bruto (PIB), é quase equivalente à Alemanha.

Tudo isso somado aos anúncios de medidas econômicas que tornam o país extremamente vulnerável aos movimentos dos capitais especulativos e às pressões das forças políticas que os sustentam, como a prometida drástica redução das reservas internacionais. São iniciativas que contrastam, também, com a histórica ideia progressista de integração soberana dos países sul-americanos para melhor inseri-los no mundo, do ponto de vista comercial e político.

Ao prometer um alinhamento com a diplomacia norte-americana, Bolsonaro, com argumentos fortemente marcados pelo viés ideológico ultraliberal e neocolonial, retoma a tradição conservadora de submeter o país aos ditames de uma lógica imperial, frontalmente contrária aos interesses nacionais e regionais. No seu imaginário, existe a ideia de que o mercado externo se reduz aos Estados Unidos e à Europa.

A pauta de exportação do Brasil precisa de uma diplomacia que abra mercados que possam gerar superávit comercial, uma necessidade para o país se proteger da vulnerabilidade decorrente da volátil liquidez internacional. Num mundo marcado pela voracidade do rentismo e pelo protecionismo, as alianças políticas em âmbito internacional também precisam de diversificação — como fizeram os governos dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff ao fortalecerem alianças regional e no âmbito dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia e África do Sul).

Além do aspecto comercial, naquele período o Brasil estimulou elementos de multipolaridade política visando a democratização das relações internacionais. O Brasil vinha de um período de submissão à diplomacia de Washington, resultado do projeto neoliberal que legou índices vergonhosos de injustiças sociais, violência e inépcia administrativa. Essas ações tresloucadas de Bolsonaro representam tão somente a retomada daquele caminho, agora de forma ideológica mais agressiva, o que certamente terá como resultado grandes prejuízos para a soberania nacional.