Que o STF cumpra seu dever de guardião

Quando paira sobre o país graves ameaças à democracia e ao Estado Democrático de direito eleva-se a expectativa de que o STF cumpra, efetivamente, o que lhe ordena a Carta Magna.

Está grafado no artigo 102 da Constituição Federal: “Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:…”

Neste sentido, têm sido positivas declarações de ministros e, também, decisões do STF em face das pretensões autoritárias do presidente eleito Jair Bolsonaro.

Esta perspectiva já apareceu na manifestação do STF que anulou, na quarta-feira (31), logo após o segundo turno, medidas judiciais que resultaram na invasão das universidades brasileiras por agentes da polícia e da justiça eleitoral, a pretexto de que lá havia propaganda eleitoral.

Manifestação legalista que se confirmou através de opiniões de ministros da própria Corte Suprema que repeliram no curso do segundo turno das eleições as bravatas de um dos filhos do presidente eleito contra o STF.

É nítido que há desaprovação por parte de ministros de propostas anunciadas pelo presidente eleito durante a campanha eleitoral, quando defendeu o endurecimento do sistema judiciário brasileiro, contrariando decisões anteriores do STF.

Entre as medidas defendidas por Bolsonaro está a diminuição da maioridade penal, de 18 para 16 anos – medida condenada pela consciência democrática e legalista brasileira, sobre a qual há sinais de que será rejeitada pelo STF, caso o Congresso Nacional a aprove.

A respeito do sistema carcerário, acumulam-se opiniões contraditórias entre o novo presidente e o STF. Ministros ouvidos pela imprensa, garantem que a Corte não deverá rever a jurisprudência firmada sobre o sistema carcerário, que tem caráter civilizatório no sentido da recuperação do preso e sua reintegração ao convívio social.

Ao contrário, Bolsonaro manifestou repetidas vezes, em declarações públicas, o caráter vingativo, violento, linchatório, de sua visão e da política de segurança que pretende implantar. Em 9 de outubro, logo após o primeiro turno, declarou: “vamos entupir a cadeia de bandidos. Está ruim? É só não fazer besteira. Eu prefiro a cadeia cheia de bandidos que o cemitério cheio de inocentes”. Em outra declaração, na mesma linha ameaçadora, disse, em fevereiro de 2018: “Quem falou que não tem vaga? Bota um em cima do outro”.

Estas declarações afrontam decisões do STF no sentido de tornar mais humanas as prisões brasileiras, verdadeiros barris de pólvora onde há imenso número de presos sem terem sequer sido julgados, que são transformados em massa de recrutamento para as diferentes facções criminosas que atuam no submundo das cidades brasileiras, e nos quais a escandalosa superlotação torna a vida um verdadeiro inferno, e a recuperação dos aprisionados uma quimera.

As decisões do órgão máximo do Poder Judiciário vão no sentido de corrigir esta situação caótica e desumana. Entre elas, por exemplo, a obrigatoriedade do governo indenizar os presos em locais superlotados. Ou outra, que autoriza os juízes a determinar que os governos reformem os presídios para aumentar o número de vagas.

Bolsonaro também quer acabar com lei das audiências de custódia, que obriga a apresentação, em 24 horas, do preso a um juiz, para verificar se foi maltratado e se sua prisão está de acordo com a lei. Alardeia também a intenção de acabar com a progressão de penas. Bolsonaro quer, como diz seu programa de governo: “Prender e deixar preso! Acabar com a progressão de penas e as saídas temporárias!”

Esta é uma dimensão do choque entre barbárie e civilização que poderá crescer, e muito, no futuro governo. A consciência democrática e humanística nacional espera que a Corte Maior da justiça brasileira cumpra o papel que lhe cabe de guardar a Constituição e os direitos nela inseridos pelo poder constituinte.

Ao vencer a eleição, o presidente eleito foi legitimado para adotar o programa que apresentou, mas a vitória não o autoriza a passar por cima das garantias constitucionais e das regras civilizatórias acolhidas pelo conjunto da sociedade ao longo da história. Cabe ao Poder Judiciário, bem como à própria sociedade, zelar para que seja preservado o estado democrático de direito.