Oposição democrática começa agora

É certo que o governo Bolsonaro enfrentará uma firme e decidida oposição, alicerçada nos mais de 47 milhões de votos da chapa Fernando Haddad-Manuela d’Ávila e na ampla mobilização democrática da reta final da campanha eleitoral. Afinal, a eleição do candidato da extrema direita representa o maior retrocesso desde o fim do regime militar instaurado com o golpe de 1964. Foi a vitória de um projeto contrário à democracia, que traz como consequência a ameaça ao patrimônio nacional e aos direitos do povo. Agora, concretamente, o Brasil está diante de um poder declaradamente inimigo da sua soberania e das conquistas históricas dos trabalhadores.

No discurso como presidente eleito, na noite deste dia 28, Bolsonaro fez juras às liberdades e à democracia. Mas, minutos antes, numa transmissão feita pela internet, novamente voltou a atacar os comunistas, os socialistas, a esquerda. Jura que defenderá a Constituição, entretanto, por tudo que disse antes e durante a campanha, e mesmo depois de eleito, tal juramento soa pura falsidade.

Bolsonaro chega à Presidência da República com um programa de governo absolutamente entreguista, que pode resultar na alienação do que há de mais valioso do patrimônio nacional acumulado num processo histórico que possibilitou ao país criar as bases da sua soberania. Com um discurso demagógico, elaborado sob medida para passar uma imagem falaciosa das empresas estatais, ele chegou a prometer a entrega da Petrobras, o principal ícone da existência do Brasil como nação independente.

Desse programa, que fica muito bem caraterizado como ultraliberal e neocolonial, resulta uma agenda que tem em mira varrer as estatais estratégicas do território nacional. Isso significa que as riquezas do país, em especial o pré-sal, não seriam mais controlados por mãos brasileiras. Consequentemente, os benefícios de um imenso patrimônio, que deve servir de base para um projeto de nação com desenvolvimento e progresso social, passariam às mãos dos grandes grupos movidos à ganância e aos saques das nações nas quais contam com governo aliados.

Entram nesse cálculo, também, um gigantesco potencial de força de trabalho, que o programa de governo de Bolsonaro anuncia como totalmente desprovido de proteção social. Por ele, o que resta da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) seria banido, um aprofundamento da “reforma” trabalhista que o governo do presidente usurpador Michel Temer impôs, sem a anuência do povo, uma vez que ele foi entronizado no poder por um golpe contra as instituições democráticas e a soberania do voto. O mesmo destino está anunciado para a Previdência Social, que seria totalmente liquidada. Nesse cômputo está também a Emenda Constitucional nº 95, que na prática desmonta os serviços públicos e debilita o Estado nacional, retirando dele a capacidade de planejar e impulsionar o desenvolvimento.

Há ainda o anunciado ataque às instituições democráticas que resultaram de um longo processo de lutas para a formação do arcabouço do Estado Democrático de Direito. Sem essa premissa, o que sobra é o arbítrio e a violência, exatamente o que Bolsonaro e seu séquito pregaram o tempo todo. A legalidade democrática é a garantia de que a sociedade será respeitada e terá assegurada os canais para a sua participação na institucionalidade do Estado. O governo Bolsonaro, promete, sem meias palavras, fechar todos esses espaços de participação popular. Mais do que isso: promete criminalizar os movimentos sociais.

O desenho que se revela no novo governo, ao se fazer essa radiografia, é o de um Estado de feição ditatorial, com mordaças como instrumentos de poder. Ou por outra: no lugar do Estado Democrático de Direito entra um agrupamento com poderes discricionários para tutelar a vida da sociedade. Por esse conceito, está em risco, como o bolsonarismo verbalizou, a liberdade de imprensa, de manifestação e de organização partidária, garantias do exercício de direitos democráticos.

Esse retrocesso anunciado pelo governo Bolsonaro tem grandes extensão e profundidade. Atinge, além da soberania nacional, a estrutura do Estado Democrático de Direito. É um ataque em grande escala ao que foi conquistado com a Revolução de 1930, com a Constituição de 1946 que pôs fim ao arbítrio do Estado Novo e com a Constituição de 1988, que também encerrou outro período autoritário e violento, o regime militar de 1964.

Mas que se diga: não será fácil Bolsonaro enterrar a democracia brasileira. A campanha da reta final da chapa Haddad-Manuela levantou a consciência democrática da nação. Contingentes expressivos da sociedade brasileira estão em estado de alerta. A luz amarela está acesa. A democracia está em risco, mas poderá se erguer uma barreira, constituída por amplas forças políticas e sociais para impedir que se instaure um regime de Estado de exceção.

As forças democráticas, progressistas, populares e patrióticas certamente mais uma vez se levantarão, com todo o seu vigor, contra as ameaças a essa construção histórica. Desde já, emergem as condições para uma oposição decidida, que deve ser organizada no Congresso Nacional e demais casas legislativas, aglutinando parlamentares, governadores, prefeitos, intelectuais, artistas, religiosos, ativistas dos movimentos sociais — e demais democratas e patriotas —, num amplo movimento de resposta à anunciada política de terra assada do governo Bolsonaro.