Museu Nacional, a incúria que incendeia

Luzia, que pode ser considerada a mãe dos brasileiros, deixou de existir. Seus restos fósseis, o crânio de uma mulher que teria vivido em Minas Gerais, há uns 13 mil anos (o mais antigo fóssil humano da América Latina) queimou junto com quase 90% do acervo do Museu Nacional que desapareceu na tragédia ocorrida neste domingo (2), no Rio de Janeiro. O incêndio de grandes proporções destruiu aquele que era o quinto mais importante museu de ciências e história natural de todo o mundo, referência não apenas para a história do Brasil, mas de toda a humanidade.

É um lugar comum dizer que foi a crônica de uma destruição anunciada. Mas a imagem é correta. Há três anos o Museu vinha funcionando precariamente, por falta de recursos. A situação foi agravada no governo golpista de Michel Temer em razão da Emenda Constitucional 95, que congelou os gastos públicos também na área de educação e cultura. Deixou de exibir parte importante do acervo, e perdia visitantes aceleradamente. E quem o visitava defrontava-se com a imagem nítida da decadência e do descalabro – paredes rachadas por infiltrações, rebocos caindo, tetos seguros por andaimes – o retrato nítido do abandono por falta de manutenção.

A tragédia provocada pelo incêndio talvez seja o mais doloroso e claro resultado da incúria a que o Brasil sofre desde o golpe de 2016. O Museu deixou de receber cerca de 90% dos recursos que lhe eram destinados – via Universidade Federal do Rio de Janeiro, ao qual é subordinado – pelo governo federal.

A tragédia do Museu Nacional – que, em 6 de junho, completou 200 anos de sua fundação por D. João VI – é a tragédia da educação, da ciência, da cultura, da pesquisa no Brasil sob o governo golpista, que não tem compromisso com a história, a memória nacional, a ampliação do conhecimento. O compromisso dos golpistas é apenas com os gananciosos lucros da especulação financeira, cujo atendimento deixa o país à míngua. À voragem das chamas que consomem tesouros do conhecimento.

A tragédia do Museu Nacional revela como o desmonte do Estado e dos instrumentos da educação, ciência e história nacional, não é retórica – ele é físico e, neste caso infeliz, consumido pelas chamas.