O day after da direita: investir contra Lula e a democracia

A democracia brasileira sempre andou aos trancos e barrancos, e o principal fator da instabilidade foram os conservadores que, hoje como no passado, nunca aceitaram o controle do governo central da República por forças políticas alheias ao estreito círculo daqueles que sempre mandaram no Brasil e usaram o poder do governo e do Estado em benefício de seus próprios interesses.


 


Estes mesmos setores foram os que tentaram sangrar presidente Lula e seu governo e agora, ante a iminência da reeleição do presidente, começam a articular o aprofundamento da crise política para desestabilizar seu segundo mandato.


 


Um objetivo que, tudo indica, não será fácil para eles, que já não têm as mesmas condições do passado. Foi a direita, aliada aos militares conservadores e aos representantes do imperialismo – principalmente estadunidense – quem promoveu o golpe que derrubou Getúlio Vargas em 1945. Pretexto: a aproximação do presidente com os nacionalistas e os comunistas para consolidar o regime democrático e o  desenvolvimento soberano do Brasil no período posterior à Segunda Grande Guerra.


 


Quando Getúlio voltou à presidência, eleito em 1950, a histeria conservadora cresceu, e o jornalista Carlos Lacerda – a mais recente ''descoberta'' de Fernando Henrique Cardoso – foi um dos principais propagandistas da desqualificação de Vargas e da pregação do golpe de Estado para impedir sua posse. Durante o governo Vargas, Lacerda foi o agitador da campanha de denúncias que levou ao suicídio do presidente , em 1954.


 


Mas, naquele momento, a reação popular – que depredou sedes de empresas estrangeiras e de jornais vinculados ao golpe – impediu que a direita consolidasse o controle do governo federal. E, apesar de todas as pressões de Lacerda e seus comparsas, Juscelino Kubitschek – visto como um continuador de Vargas – foi eleito para a presidência em 1955, derrotando o candidato da direita, o general Juarez Távora. Nova gritaria e mesmo levantes militares contra a posse do eleito, sem êxito.


 


O sonho da reconquista do poder veio com a eleição, em 1960, de Jânio Quadros, uma espécie de Fernando Collor de Mello da época. Idílio que durou menos de sete meses: Jânio renunciou em 1961, e a presidência da República foi assumida pelo vice, João Goulart, execrado pela direita por ser, ele sim, um herdeiro de Vargas, e principalmente por suas ligações com o movimento sindical e com a esquerda. A conspiração direitista cresceu, e o coronel Golbery do Couto e Silva'', um dos líderes daquele conluio,  identificou na época uma tendência ''comuno-petebista'' no eleitorado que favorecia os progressistas e nacionalistas.


 


Aquela era uma época em que a direita tinha um aliado forte, a direita militar, golpista e antidemocrática. Em um discurso famoso pronunciado logo depois do golpe militar de 1964, o general Castello Branco, desvendou o comportamento desses políticos que alardeavam a defesa da democracia e, por baixo do pano insuflavam o golpe militar. Entre eles os líderes udenistas, que o general que comandou o golpe de Estado chamou de ''vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar''.


 


Hoje, essas mesmas ''vivandeiras'' estão alvoroçadas com a perspectiva de reeleição de Lula. Mas não rodeiam mais os quartéis onde militares profissionais e escaldados pela política neoliberal que almejou desmontar as Forças Armadas nacionais  não ecoam mais aqueles apelos. Rodeiam outra força social para propagar seus intentos, a imprensa das grandes empresas, que faz parte íntima do sistema de poder comandado pela direita.


 


O discurso é o mesmo, e seu objetivo é desqualificar o provável eleito, o presidente Lula; os eleitores; chegando mesmo a colocar o sistema democrático na berlinda.


 


A perspectiva da reeleição de Lula é cada vez concreta. A última pesquisa CNI/Ibope, divulgada dia 14, mostra que ele tem 50% das intenções de voto – isto é, nove pontos a mais que a soma dos votos dos outros candidatos. Na pesquisa espontânea, que mostra um voto mais consolidado, Lula tem 42%, contra 27% dos demais candidatos, isto é, 15 pontos acima deles todos, indicando a reeleição já no primeiro turno.


 


É nesse quadro em que se erguem as vozes do passado. Primeiro, buscam desqualificar o presidente, e o senador cearense Tasso Jereissati, presidente nacional do PSDB, voltou a pedir a impeachment de Lula no começo de setembro.


 


Na mesma semana, um colunista do jornal O Estado de S. Paulo, Gilberto Kujawski, alinhavou dez razões para não votar em Lula, e entre elas alegou um pretenso ''autoritarismo'' do presidente, que – escreveu – ''convive mal com as instituições democráticas'' e quer governar acima delas, ''como o pai dos pobres', em ligação direta com o 'povo'. '' E atacou a política externa de Lula, marcada – disse – pelo ''terceiro-mundismo'' e pela ''obsessão antiamericana'', comparando-o a ''Brancaleone, aquele comandante do exército de esfarrapados'', que ''adora andar em más companhias, um demagogo perigosamente antidemocrata e megalomaníaco, Hugo Chávez, e aquele ditador decadente, Fidel Castro''. Palavras que não são de estranhar vindas de um escritor conservador como Kujawski.


 


O esforço de desqualificação volta-se também contra o eleitorado, e a mais aguda manifestação nesse sentido foi a do senador pedetista do Amazonas, Jefferson Peres, que considerou o o eleitorado como antiético e o acusou de compactuar com a corrupção por que vai votar em Lula. Manifestação semelhante veio de outro setor previsível, o patronato da mídia, pela palavra de Octávio Frias Junior, dono do jornal Folha de S. Paulo; para ele a vitória de Lula representa suas ''anistia'' pelo eleitorado, e a eleição perderá seu caráter democrático se Lula vencer logo no primeiro turno.


 


Num ponto acima, nessa linha de argumentação, outro colunista de O Estado de S. Paulo, Héctor Ricardo Leis, investiu contra o próprio sistema democrático. ''As eleições democráticas não são condição suficiente para que se façam boas escolhas políticas'', escreveu ele.


 


As máscaras da direita vão caindo, multiplicando os sinais não só de seu inconformismo com uma eventual vitória de Lula mas, principalmente, indicando o esforço para criar um ambiente de descrédito em torno do presidente, das forças políticas que o apóiam, e do eleitorado que o elegerá. Tudo isso em busca de sua desestabilização e, como sempre, da volta da direita ao poder. Eles acreditaram, em vão, ter pavimentado o caminho para essa volta com a campanha de denúncias de 2005-2006. E, com o mesmo víeis antidemocrático de sempre, tentam consolidar desde já as linhas gerais para investir contra democracia e o presidente Lula.
Estes atentados contra a livre escolha do eleitorado não terão, porém, o mesmo cenário favorável que a direita teve nas décadas de 1950 e 1960. A consciência democrática dos brasileiros se consolidou desde a década de 1970, nas lutas pela anistia, constituinte, diretas-já, fora Collor e contra a privataria do período FHC; o movimento social e a organização dos trabalhadores se fortaleceram e enraizaram entre o povo. E, num movimento inverso, o poder da direita, que ainda é muito forte na mídia e no controle do dinheiro, diminuiu em áreas que, no passado, foram decisivas para ela.


 


O fantasma da reação popular paira como uma ameaça sobre suas articulações, como o próprio e rejeitado ex-presidente FHC reconheceu em uma entrevista recente para a revista Época. ''Não sei qual vai ser o resultado da eleição, mas é preciso evitar essa coisa de quem perde inviabilizar quem ganhou, como no México''. E reconheceu que este risco existe ''sobretudo se o Geraldo ganhar''. Frase melhor do que esta para registrar e reconhecer o fracasso tucano só outra, que faz parte da turbulenta ''Carta'' divulgada pelo ex-presidente em 7 de setembro, onde ele vê seu partido e candidato abandonados pelo eleitorado.