FHC joga a toalha, reafirma neoliberalismo e busca liderar direita golpista

A carta que o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, divulgou em 7 de setembro, dirigida aos filiados, militantes e eleitores do PSDB, é um desses documentos que precisam ser lidos com atenção tanto pelo que revelam como pelo que sugerem.A tal carta representa o auge, até agora, do desencanto conservador com a campanha eleitoral que disputam com Geraldo Alckmin, um candidato incapaz de levantar vôo e que, a três semanas das eleições de outubro, patina nas pesquisas de opinião em patamares que indicam sua derrota muito provável.



Os tucanos amargaram desilusões atrás de desilusões. A primeira foi a crença na tática de sangrar o presidente Lula e seu governo para disputar sua sucessão em condições favoráveis; não deu certo, e Lula chega ao pleito como o grande favorito da preferência popular. Depois, iludiram-se com a tentativa de abanar a candidatura de Heloisa Helena para levar a eleição ao segundo turno; acreditaram também, embalados pelo mantra entoado por Geraldo Alckmin, de que o início do programa de televisão seria fatal para Lula – e não aconteceu nada!



Nesse sentido, a carta de FHC é a confissão clara de um fracasso. Partindo do que considera uma ''desconexão entre o que é o sentimento da opinião pública e o discurso eleitoral rotineiro'', ele reconhece o quadro adverso que a direita enfrenta nesta eleição na frase onde diz: ''Ainda que o eleitorado não nos acompanhe neste momento, deixaremos as marcas de nosso estilo, de nossas atitudes''.


 


O mandarim tucano alude aos erros que cometeram. Diz que quiseram ''tapar o sol com a peneira'' as acusações contra o senador Eduardo Azeredo, que era presidente do PSDB, no caso do valerioduto, embora seja condescendente com o senador mineiro: ''Compreendo as razões: ele é pessoalmente decente; tudo se passou durante a campanha para sua reeleição como governador, que afinal ele perdeu''.



FHC usa dois pesos e duas medidas: quando a acusação é feita contra um dirigente tucano, há condescendência e o problema é minimizado; mas se a mesma acusação é feita contra Lula, o PT e a base aliada do governo, ele agita a bandeira da moralidade e clama por punição rigorosa!


 


Faz também um mea culpa da crise da segurança pública em São Paulo, reconhecendo que, com sua política de repressão, os governos tucanos de São Paulo lotaram as cadeias, sem tratamento adequado para a massa de prisioneiros, ''criando um caldo de cultura para a criminalidade'', deixando espaço para o crescimento do PCC.


 


Mas esta não é a parte principal da mensagem da tal carta. Há outros aspectos. Entre eles a reafirmação do programa tucano que exige a reforma da Previdência, com cortes dos direitos dos trabalhadores, a aposentadoria aos 65 anos e atendimento das exigências do chamado ''mercado'' (isto é, os banqueiros e os grandes capitalistas) pela redução dos gastos sociais do governo.



Na reforma política, quer também o voto distrital, este sistema antidemocrático que favorece o poder econômico e é contestado mesmo nos lugares onde é tradicionalmente aplicado, como a Inglaterra – lá, em uma eleição em 1987, uma coligação partidária teve 25% dos votos mas, em conseqüência dessa regra que limita a expressão da vontade do eleitor, obteve apenas 3% das vagas de deputado! Mesmo assim, FHC quer ''iniciar a pregação, desde já durante a campanha eleitoral, das vantagens do voto distrital''.



Defende ''uma revolução capitalista'', ou um ''choque de capitalismo''. E – não podia ser de outra forma – defende as privatizações feitas durante seu governo, mesmo a da Vale do Rio Doce, cujos preços – admite – foram inferiores ao seu valor real. E a forma como ser refere a isso é modelar: se os preços não foram maiores, diz, “foi porque o 'mercado' avaliou que, nas condições da época, mais não valiam, quer dizer: não havia empresas dispostas a comprar pelo preço estipulado porque o consideravam alto”. Isto é, se as empresas tivessem oferecido menos, mesmo assim seu governo teria privatizado aquelas estatais aos preços oferecidos pelo ''mercado''. E pensar que os tucanos consideram sua gestão eficiente! A Vale do Rio Doce, por exemplo, foi vendida por cerca de 10% de seu valor real, e os compradores tiveram empréstimos do governo (do BNDES) para pagá-la!



Reafirma também a política externa subalterna praticada durante seu governo, de cócoras perante o imperialismo e suas imposições, e defende a retomada da Alca por que – em sua opinião – a política alternativa a ela é um ''antiquado 'terceiro-mundismo'.''



Mas essa defesa do programa da direita não é ainda o ponto principal de sua carta. Ela faz parte do esforço que a direita e os setores conservadores tem feito desde que começaram a ficar claras as dificuldades de Alckmin: preparar a agenda para o período que se inicia em janeiro de 2007. Avoluma-se por exemplo a divulgação de opiniões de que uma vitória de Lula no primeiro turno comprometeria o caráter democrático da eleição. Colunistas, donos de jornal, senadores da República, tem manifestado essa compreensão. E agora FHC insinua que Lula ''é passível de crime de responsabilidade' devido ao chamado ''mensalão''.



Este é o ponto: tudo indica que a direita repete o comportamento que teve no último meio século e – com FHC à frente – procura formular argumentos para unificar seu campo e, da mesma forma como já havia atuado no passado contra Getúlio Vargas (em 1950) e Juscelino Kubitschek (em 1955), colocar em dúvida legitimidade da eleição de Lula.



Aliás, a direita brasileira é o principal fator de instabilidade política no Brasil por nunca aceitar a eleição e o exercício do governo por forças contrárias a ela, e alinhadas com a defesa da nação e dos brasileiros. Desde 1946, o Brasil teve sete presidente eleitos pelo voto direto, e apenas três conseguiram cumprir seus mandatos até o final e passar o cargo a outro sucessor eleito pelo povo: o marechal Eurico Gaspar Dutra, depois Juscelino Kubitschek, antes de 1964, e o próprio Fernando Henrique Cardoso, depois do fim da ditadura militar. E o foco das crises sempre foi a oposição da direita aos governantes democráticos e nacionalistas ou, no governo – como no caso de Fernando Collor – afrontou a nação ao iniciar a imposição do programa neoliberal.



Fernando Henrique Cardoso e setores da direita brasileira parecem dispostos a manter essa tradição antiinstitucional de não reconhecer a legitimidade de governos eleitos pelo povo – e, no caso de Lula, de uma liderança que surgiu da própria luta popular – e preparam-se para continuar as investidas contra seu governo num provável segundo mandato. Este é o subtexto da carta de Fernando Henrique: antecipar a defesa de seu governo, marcado pelo fracasso econômico, o desastre social e uma réstia sem fim de escândalos, justificar o ruim desempenho eleitoral de seu candidato, e principalmente preparar o futuro para seu próprio partido, o PSDB.