As velharias da “nova política” de Marina Silva

Marina Silva já defendeu candidaturas avulsas (sem partido) em eleições pois, disse, os partidos são desnecessários e representam um obstáculo ao que considera a verdadeira democratização da política.

Ela tem o direito de defender tudo o que considera correto. E de apresentar, como parte de uma pretensa “novidade” na política, estas ideias para o conjunto da sociedade.

O que ela não pode fazer é passar por cima da lei, e é o que pretende ao pressionar o Tribula Superior Eleitoral a aprovar o registro de sua Rede Sustentabilidade, o partido que pretende criar para concorrer à eleição presidencial de 2014, sem a necessária checagem de todas as exigidas assinaturas para essa legalização.

Tal pretensão derruba a máscara da chamada “política nova” que a Rede diz representar. Na verdade, ela é a repetição dos velhos vícios políticos oligárquicos e conservadores, segundo os quais os rigores da lei existem somente “para os outros”.

A pretensão é grave, particularmente neste momento em que se debate a reforma política para mudar em profundidade, e em sentido democrático, os costumes políticos nacionais.

Mesmo tendo apresentado pouco mais da metade das 492 mil assinaturas de apoiadores exigidas para o registro do partido – assinaturas que precisam ser validadas pelos cartórios eleitorais para evitar fraudes -, os fundadores da Rede querem que, para eles, a lei seja “flexibilizada”. Em português claro, querem que a lei seja jogada no lixo justamente pela mais alta instância da justiça eleitoral, o TSE.

O pedido simplesmente desconsidera fortes suspeitas de fraude encontradas pelos Tribunais Regionais Eleitorais em vários estados, levando ao cancelamento de milhares de assinaturas apresentadas pelos partidários da Rede. São indícios de fraude que se multiplicam; em São Paulo, foram tão graves que a Justiça Eleitoral acionou o Ministério Público e a Polícia para apurar as irregularidades na coleta de assinaturas.

Pois é: as novidades de Marina Silva tem forte sabor de oligarquia! Os criadores da Rede acusam os cartórios eleitorais de lentidão. Temem perder o prazo legal para poderem concorrer à eleição do ano que vem, que se encerra em 5 de outubro.

Daí a pressa e a tentativa de fraudar, no atacado, as exigências legais. Querem que os cartórios eleitorais deixem de avaliar uma a uma as assinaturas (lei que vale para todos os partidos) e acatem todas as apresentadas publicando, em seguida, editais com os nomes de quem assinou fichas de apoio à criação da Rede. Se não houver impugnações, os fundadores da Rede pretendem que todas sejam consideradas válidas.

Dizendo não terem culpa pela alegada morosidade nos cartórios eleitorais, inventaram o ardil do edital. É outra velharia cartorial formal invocada pela “moderna” Rede. Quem lê tais editais? O povo simples é que não lê!

Marina Silva e seus apoiadores também pretendem que o TSE leve em conta a posição que a postulante apresentou em recentes pesquisas de intenção de voto. Ela chegou a dizer que a Rede é “um anseio da sociedade”. É um absurdo tamanho que pode levar a outro passo antidemocrático: a eliminação das eleições pelo povo, que seriam substituídas por consultas feitas por agências de pesquisa!

A aventura de Marina Silva é mais uma das dificuldades enfrentadas pela direita e pelos conservadores para a eleição de 2014. No PSDB, a luta interna tem resultados ainda imprevisíveis, que podem levar a uma prévia para consagrar Aécio Neves como o candidato tucano para a sucessão de Dilma Rousseff, e também à anunciada deserção de José Serra, que tudo indica poderá concorrer por outra legenda.

Marina Silva, embalada pelos resultados de pesquisas eleitorais recentes, tenta habilitar-se para ocupar este vazio que vai se firmando no campo conservador.

O programa que defende não deixa nenhuma dúvida sobre seu parentesco com o ultrapassado e condenado ideário tucano. Fala em “manter a estrutura de sustentação da política macroeconômica” baseada no superado tripé (metas de inflação, superavit primário, também conhecido como "responsabilidade fiscal", e câmbio flutuante). Quer “reduzir o nível de endividamento do setor público” com cortes nos gastos públicos (que ficariam em metade do crescimento do PIB), trazendo de volta todos os resultados negativos que o Brasil já sofreu quando este receituário neoliberal foi aplicado, sobretudo sob Fernando Henrique Cardoso. Atende aos clamores empresariais contra os impostos, entre outras coisas com uma redução tributária geral “que só pode ser alcançada no médio prazo com a redução do crescimento dos gastos públicos”.

Isto é, Marina Silva, proclama o “novo” mas apresenta-se como campeã de velharias oligárquicas (quer atropelar a lei para favorecer suas pretensões) e econômicas (o velho e condenado programa neoliberal). Mas o Brasil vive outros tempos, e o pretendido atropelo à lei pode não prosperar. Afinal, como disse com razão o próximo presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, o TSE não pode “atropelar os meios", nem se pode "pretender criar um partido da noite para o dia. Há formalidades legais inafastáveis".