O propinoduto tucano não é falatório: é documentado

O propinoduto que envolve os governos tucanos de São Paulo e Distrito Federal revelado, em julho, pela revista IstoÉ, provoca o movimento de placas tectônicas na mídia conservadora e minimiza pelos menos duas teses que o julgamento da Ação Penal 470, conhecida como “mensalão”, tornou célebres. Uma dizia que se tratava do “maior escândalo da história da República”; a outra é a tal da teoria do domínio do fato, que serviu de base a condenações sem a necessária comprovação de culpa nos autos.

Pelo apurado até agora, o prejuízo causado aos cofres públicos, em São Paulo e no Distrito Federal, chega a R$ 577,5 milhões. É muito maior (quase 12 vezes!) que os valores que, como se disse, foram envolvidos no apelidado “maior escândalo da história da República”, e que chegaram a R$ 50 milhões.

A própria Siemens confessou, e apresentou documentos para comprovar que o cartel (que envolvia também as multinacionais Alstom, francesa: CAF e Temoinsa, espanholas; Bombardier, canadense; Mitsui, japonesa) envolveu negócios no valor de R$ 1,9 bilhão, custo 30% maior do que os valores de mercado dos trens e serviços fornecidos.

Quando se trata de dinheiro público, não se pode qualificar os desvios cometidos pelo volume de recursos. Toda apropriação indébita deve ser rigorosamente apurada e punida. Entretanto, a comparação dos dois casos se justifica pelo fato de que a Ação Penal 470 não envolveu dinheiro público, mas empréstimos feitos por uma financeira particular, a Visanet, e que foram regularmente pagos.

No caso do propinoduto do qual a Siemens fez parte, foi dinheiro público mesmo, como a multinacional alemã confessou e demonstrou. Informações da justiça alemã, que também investiga o desvio de dinheiro do metrô de São Paulo, mostram que a Siemens pagou pelo menos oito milhões de euros (cerca de R$ 24,4 milhões), que foram movimentados por contas em agências financeiras uruguaias e, de lá, ingressaram para os cofres tucanos no Brasil. Qual é mesmo o maior escândalo da história da República?

O propinoduto e sua extensão são tamanhos que, apesar dos profundos vínculos da mídia com o tucanato e da tentativa inicial de blindagem para favorecer seus aliados conservadores, veículos como a Folha de S.Paulo e mesmo o Jornal Nacional, da Rede Globo, se viram na obrigação de noticiar aquilo que, através da internet e de veículos alternativos, ganhava-se e escandalizava-se a opinião pública.

Por outro lado, a reação do governador paulista, o tucano Geraldo Alckmin, foi pífia. Ele acusou o Conselho Administrativo de Desenvolvimento Econômico (Cade) de estar a serviço do Partido dos Trabalhadores e, ao mesmo tempo, passou a entoar o mantra “não sei de nada”. Seu comportamento indica a fragilização do argumento usado, no julgamento do TSE, para a condenação de inúmeros acusados: a teoria do domínio dos fatos, de inspiração nazista e, segundo a qual, devido aos cargos que ocupavam, era impossível que não soubessem dos fatos relatados, uma suposição que levou a condenações sem a necessária demonstração das culpas nos autos do processo.

Há uma verdadeira enxurrada de documentos que tornam a situação dos tucanos como o governador Geraldo Alkmin (candidato à reeleição em 2014) e Aécio Neves (provável candidato do PSDB à presidência da República no ano que vem) cada vez mais frágil.

Não se pode cair no mesmo denuncismo antidemocrático e vão, característicos da direita brasileira e sua mídia, mas o que tem sido publicado, como pela revista IstoÉ, é aterrador, principalmente porque não se trata do costumeiro falatório da mídia hegemônica, mas da reprodução de documentos que fundamentam as denúncias feitas.

O esquema de desvio de dinheiro opera desde pelo menos o ano 2000 (há 13 anos!) e atravessou todos os governos tucanos de São Paulo: Mário Covas, Geraldo Alckmin e José Serra. Um exemplo desses documentos é o relatório interno da Siemens, de fevereiro de 2000, que confessa: “o fornecimento dos carros [trens] é organizado em um consórcio político. Então, o preço foi muito alto”. Outro documento foi registrado em um diário de um executivo da multinacional, em julho de 2002: "Enquanto a Alstom mantiver seu preço acima do preço da Siemens, e a CPTM bloquear qualquer ataque, a Siemens será vencedora".

A pilhagem dos cofres públicos por políticos conservadores, que já havia sido denunciada, e documentada, no livro (que a mídia tentou esconder) A Privataria Tucana, do jornalista Amaury Ribeiro Jr, parece interminável. Esta sim é a faxina que precisa ser feita, aquela que põe um ponto final no hábito ancestral da direita brasileira, de usar recursos públicos para engordar as contas bancárias de seus agentes.