Governo colombiano tem o dever de declarar o cessar-fogo

A semana começa com uma questão crucial para o avanço dos diálogos de paz em curso na capital cubana, Havana, entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc-EP).

No domingo (20), a força insurgente reiterou o pedido de um cessar-fogo bilateral com o Exército do país. Como se sabe, nesse mesmo dia, venceu o prazo do cessar-fogo unilateral decretado pelos guerrilheiros há dois meses.

O chefe da delegação de paz das Farc, Ivan Marquez, foi bastante enfático nesse sentido. Exortou o governo de Juan Manuel Santos a considerar a declaração do cessar-fogo bilateral durante os diálogos de paz, ou ao menos um tratado para o que se chama de “regularização” do conflito.

“É com dor no coração que devemos admitir que volta a etapa dos comunicados militares de guerra que ninguém quer neste país”, disse Marquez na entrada de um salão do Palácio de Convenções de Havana, ao chegar para participar em uma nova jornada de conversações com a delegação governamental. “Podemos tratar de atenuar o impacto do conflito aos civis, com ações como não instalar bases nem quartéis militares entre assentamentos de população”, agregou Marquez.

O próprio presidente Santos fez um reconhecimento público no último sábado (19) ao cumprimento por parte das Farc da moratória de ações ofensivas durante 60 dias.

Contraditoriamente, porém, Santos assinalou também que seu governo – que não interrompeu sua feroz ofensiva militar contra os guerrilheiros – está preparado para fazer frente a possíveis ataques da guerrilha depois do fim da trégua unilateral.

O governo faz a leitura de que o cessar-fogo significou no passado “vantagens para a guerrilha que não podem ser repetidas”. E em várias ocasiões tem enfatizado que não fará “concessões de caráter militar”. Por isso, mantém sua ofensiva antiguerrilheira. Na decisão de não declarar o cessar-fogo bilateral pesa também a avaliação de que o governo pode derrotar a guerrilha militarmente, o que denuncia um comportamento dúplice do governo. Ao mesmo tempo que dialoga, ainda aposta no aniquilamento da força insurgente.

Até agora os diálogos prosseguem em Havana centrados no tema da reforma agrária. Os outros temas em discussão no diálogo de paz são as garantias para a participação política, o fim do conflito armado, a solução ao problema das drogas ilícitas, os direitos das vítimas e os mecanismos de verificação e referendo do que seja acordado na mesa.

As Farc e seu entorno político e de massas têm dado sucessivas demonstrações de que realmente almejam a paz, inclusive valorizando como positivo que Santos tenha coincidido na necessidade de uma consulta popular para referendar um eventual acordo de paz. Ao mesmo tempo, avançam propostas políticas de envergadura como a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte como única instância capaz de garantir legitimidade e segurança jurídica a esse processo.

Outra demonstração disso são as iniciativas no terreno da organização social e política nos marcos da legalidade. Ao mesmo tempo que se estrutura em todo o país um amplo movimento de massas denominado Marcha Patriótica, militantes da União Patriótica (UP) preparam o 5º Congresso desse agrupamento político que se realizará ainda este ano, como expressão de sua continuidade, raízes históricas e projeções na sociedade colombiana.

O objetivo central do Congresso é a reestruturação social e política desse movimento, vítima de um genocídio no início dos anos 1980 e que custou a vida de mais de 10 mil de seus membros.

O Congresso também exigirá a legalização da personalidade jurídica da União Patriótica, "cujo direito de petição", apresentado ao Conselho Nacional Eleitoral, foi rechaçado por este em 2002.

Assim como as Farc, a União Patriótica é partidária da reforma agrária democrática e integral.

A União Patriótica tem afinidade com o projeto político das Farc para resolver o conflito armado e social que perdura no país há mais de meio século.

Em todo esse contexto de iniciativas positivas da força guerrilheira, não é compreensível nem aceitável que o governo não aceite o cessar-fogo bilateral. Não é razoável que enquanto dialogam em Havana, com o apoio dos governos de Cuba, Noruega, Chile e Venezuela e as expectativas positivas das forças democráticas em todo o mundo, as duas partes troquem tiros nas montanhas e selvas colombianas, o que pode deitar por terra os esforços pela paz.

O governo do presidente Juan Manuel Santos deveria rever sua posição e evoluir para o cessar-fogo bilateral como gesto construtivo e que muito acrescentará ao processo de construção da paz na Colômbia.