FHC quer voto distrital para favorecer a direita

Quando se trata das reformas políticas que a direita preconiza para o Brasil, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é dono de uma franqueza que precisa ser reconhecida: ele expõe, com todas as letras, o programa que a coalizão PSDB / PFL defende, programa que precisa ser combatido pelas forças democráticas, progressistas e nacionalistas. E derrotado nas urnas em 1o de outubro deste ano. Fernando Henrique vem falando, agora, em um “plano real político” (O Estado de S. Paulo, 6 de agosto de 2006), que seria uma espécie de complemento às mudanças econômicas de seus mandatos presidenciais, e com o mesmo caráter conservador e neoliberal que elas tiveram.
O ex-presidente foi claro: ao defender a necessidade de uma reforma política, defende a implantação do voto distrital, que agora “não precisaria sequer ser misto”, escreveu. Voltando-se abertamente contra o PCdoB, sugere que “as pequenas agremiações ideológicas” poderão fundir-se com os partidos “que sobrarem depois da cláusula de barreira”, seis ou sete em sua opinião. Seria a maneira de completar a mudança que ele próprio promoveu quando, em 1995, impôs a draconiana cláusula de barreira de 5% dos votos nacionais para a Câmara dos Deputados, mais 2% desses mesmos votos em pelo menos nove Estados.


É um ponto de vista autoritário, anti-democrático, cujo objetivo é congelar o sistema político na forma como ele se encontra hoje, criando uma camisa de força para garantir a continuação do domínio dos mesmos grandes partidos de hoje e impedir a expressão das correntes democráticas e populares, particularmente dos comunistas.


O voto distrital elimina a principal virtude do sistema proporcional adotado no Brasil, onde a representação de cada partido nas Câmaras de Vereadores, Assembléias Legislativas e na Câmara dos Deputados reflete o percentual do total de votos que alcançou na eleição. E este é justamente o segredo do caráter democrático deste sistema criado na Inglaterra em 1859 mas pouco aplicado na Europa (e nunca nos EUA).


Ele chegou a ser debatido pela Câmara dos Deputados na reforma política de 1873, no Império Brasileiro, mas só foi adotado depois da revolução de 1930. Era o resultado de mais de meio século de lutas contra a oligarquia, durante o final do Império e aprofundadas nas primeiras décadas da República, configurando-se numa das principais conquistas democráticas alcançadas pelos brasileiros. E que a direita, hoje, procura desfigurar para assegurar um ambiente institucional adequado à manutenção de seu domínio.


O sistema proporcional, atacado pela direita, tem a virtude de refletir com maior fidelidade do qualquer outro, a vontade do eleitor. E este é o problema grave dos sistemas distritais, puro ou misto: eles deixam de refletir a escolha manifestada nas urnas e criam distorções que falsificam a vontade do eleitor e favorecem os partidos dominantes. O melhor exemplo dessas distorções são as eleições do Reino Unido, onde crescem as pressões contra o sistema distrital. Uma das demonstrações mais escandalosas da falsificação da vontade do eleitor ocorreu, lá, na eleição de 1987, quando a aliança entre os partidos Liberal e Social Democrata teve 25% dos votos mas, pela regra distrital, ficou com apenas 3,5% das vagas no Parlamento.


O argumento conservador diz que pelo voto distrital o eleitor terá mais proximidade com o deputado eleito e, assim, maior controle sobre o desempenho de seu mandato. É uma falácia que esconde o verdadeiro cenário criado pelo voto distrital, que permite na verdade maior eficácia ao poder econômico. As disputas ficam restritas a distritos, cuja formação pode ser manipulada pelas autoridades, e nos quais quem tem mais dinheiro tem maiores condições de eleger seus candidatos. As grandes questões nacionais ficam diluídas no debate paroquial; onde o voto distrital é adotado, uma das primeiras conseqüências é o afastamento do parlamento das correntes democráticas, nacionalistas e avançadas, correntes que encontram expressão no chamado voto de opinião, disperso pelo conjunto do eleitorado e raramente concentrado em apenas um distrito. E que, de forma geral, é um retrocesso para a votação nos partidos de esquerda, socialistas e comunistas.