Aquecimento global: mais um encontro inconclusivo da ONU?

As conferências da ONU sobre o clima têm sido, cada vez mais, cenários de confronto entre os países ricos e as nações emergentes a respeito do desenvolvimento mundial. A reunião iniciada hoje (28) em Durban, na África do Sul – a 17ª Conferência das Partes sobre o Clima, com a participação de quase 20 mil delegados, entre eles diplomatas, ministros, especialistas e militantes ambientais, que vieram de cerca de 200 países – é mais uma etapa nessa disputa. E, face ao agravamento da crise econômica mundial, têm razão os pessimistas que preveem mais um encontro inconclusivo, como ocorreu nas reuniões anteriores de Copenhague (Dinamarca, 2009) e Cancun (México, 2010).

O embate entre a pressão pela mitigação das emissões de gases do efeito estufa, de um lado, e o direito dos povos ao desenvolvimento, de outro, está na base de propostas de ações políticas e econômicas conflitantes sobre o problema. E a consequência é o impasse recorrente nas conferências climáticas, que se aprofunda desde os encontros de Copenhague e Cancun.

Há recomendações ambientalistas que apregoam, desde a década de 1960, a necessidade de contenção do desenvolvimento econômico, pois a Terra teria chegado ao limite da exploração dos recursos naturais. É um argumento repetido desde as reuniões do Clube de Roma (1968) e que mal disfarça a pretensão dos países industrializados de segurar o desenvolvimento dos demais e criar as condições para a manutenção da distribuição de poder político e econômico da qual eles se beneficiam.

Do ponto de vista econômico esta pretensão se traduziu no mercado de carbono criado no contexto do Protocolo de Kyoto – aprovado em 1997 e em vigor desde 2005, pelo qual os quase 40 países desenvolvidos signatários obrigam-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa para os níveis de 1990. O protocolo expira em outubro de 2012 e Durban não deixa esperanças sobre sua renovação.

O mercado de carbono permite que os países industrializados “comprem” direitos de emissão dos países pobres. Isto é, que troquem a obrigação de cortar as emissões em suas próprias indústrias pela renúncia dos países pobres que, a troco do dinheiro recebido, abrem mão de seu desenvolvimento industrial e assim deixam de emitir.

Nos últimos anos este mercado se consolidou e passou a girar bilhões de dólares nas bolsas de carbono, tornando-se um investimento financeiro rentável e recomendado por organismos multilaterais, como o Banco Mundial. Novos desdobramentos levaram à proposta, feita em Copenhague e consolidada em Cancun, de criação do Fundo Verde, que prevê investimento de US$ 100 bilhões por ano, até 2020, dos países industrializados nos países emergentes; também está na mesa de negociação o chamado Redd, um contestado mecanismo proposto para preservar as florestas e reduzir as emissões decorrentes do desflorestamento. 

São propostas controversas que enfrentam forte resistência nos países que, supostamente, se beneficiariam com elas porque, comprando direitos de emissão e assumindo o controle de extensas áreas florestais nos países emergentes, os investidores do Fundo Verde passariam a controlar também a soberania nacional sobre os territórios “beneficiados”, inclusive com direitos sobre a vida e os costumes das populações nativas das florestas.

A negociação climática é agravada pela crise mundial, que coloca os países ricos face a graves problemas econômicos que limitam sua capacidade de investimento e comprometem o cumprimento de compromissos financeiros assumidos. E que pode explicar porque o Fundo Verde, surgido em 2009, até hoje não viu um centavo do dinheiro prometido solenemente nos encontros ambientais da ONU.

Esta questão econômica liga-se ao fracasso da pretensão de limitar o desenvolvimento dos emergentes. Crescimento econômico que, sendo cada vez mais uma realidade concreta, começa a alterar a distribuição de poder político e econômico no mundo.

Fazem sentido, assim, as decisões já anunciadas de países como Rússia, Canadá, Austrália e Japão, de abandonar os compromissos assumidos no contexto do Protocolo de Kyoto, mesmo a custo de aprofundar a fragilidade desse acordo internacional que nunca contou com a adesão do maior emissor de gases do efeito estufa, os EUA.

Na outra ponta, países em desenvolvimento como China, Índia, Brasil e demais emergentes não abrem mão do princípio das responsabilidades comuns mas desiguais, que implica uma maior contribuição dos países industrializados para limitar a emissão de gases do efeito estufa, da qual são campeões há pelo menos duzentos anos (desde a Revolução Industrial do século 18).

Em nome daquele princípio os países emergentes não aceitam metas obrigatórias de corte nas emissões que podem comprometer e limitar seu próprio desenvolvimento, embora adotem políticas de mitigação voluntárias.

Os países ricos nunca tiveram boa vontade com aquele princípio que, agora, recusam, como a chanceler alemã Ângela Merkel demonstrou claramente ao exigir responsabilidades iguais para todos, impondo aos emergentes as mesmas metas obrigatórias de corte das emissões que o protocolo de Kyoto determina aos países de industrialização mais antiga. E citou explicitamente Brasil, Índia e China. Esta opinião é partilhada pela Comissária Europeia para Ação Climática, Connie Hedegaard, que também exige, para aceitar a renovação do Protocolo de Kyoto, que o bloco emergente aceite metas obrigatórias de corte.

Se a luta contra as agressões à natureza tem um caráter anticapitalista por exigir condições de produção e consumo menos predatórias, a disputa em torno da mudança climática tem também um caráter anti-imperialista. Ela opõe o direito ao desenvolvimento das nações do mundo à pretensão dos países ricos em manter tudo como está, sem mexer em suas próprias emissões de gases nocivos nem na maneira capitalista como a produção está organizada, nos países industrializados e também nas demais nações. É a disputa entre as potências capitalistas que se recusam a fazer qualquer concessão e o anseio dos povos pelo desenvolvimento. Este é o braço de ferro que pode ter consequências letais para as conferências climáticas e ambientais previstas para o futuro.