O profeta do protesto pela Educação

Escrevo esta coluna antes de sair para a Rua da Aurora. Daqui a pouco, poderei viver com a gente rebelde os protestos pela educação no Recife.

O ideal seria escrever depois da Aurora, é claro. Mas o pouco tempo que tenho para mais de um dever, me faz virar um pretenso profeta, porque sei ou imagino saber o que virá.

Quero dizer: daqui a pouco, os estudantes, mulheres, crianças, idosos e jovens encherão com esperança e indignação toda a linda paisagem às margens do Capibaribe. E não imagino pouco. Quem já esteve na manifestação anterior, quem já viu antes, sabe que um protesto no Recife se faz com alegria e criação. Isto é, descem para a rua os blocos de carnaval, com especial destaque para o dragão do Eu Acho é Pouco, que evolui ao som de frevo de rua. O belo animal, levado por muitas cabeças, se torna o Dragão da Consciência contra o Fascismo.

E sei que haverá gritos e palavras de ordem, das quais a de maior sucesso é “Ai, ai, ai, ai. Bolsonaro é o Carai. Ai, ai, ai, ai, Bolsonaro é o Carai." E haverá tiros, estrondos de trovão, dos Bacamarteiros de Caruaru, que atiram para o céu, pois não querem matar agora. Todos vestidos com chapéus de vaqueiro do sertão ou cangaço. E com as mulheres de frente, bacamarteiras também, atirando e sorrindo do susto que levamos.

– Tá com medo? perguntarão.

E responderemos:

– Não, eu tou é com Lula.

E haverá jovens da escola pública, mui bem vestidos com seus uniformes dos colégio, e haverá universitários e universitárias de todas faculdades, e belas mulheres, e belos militantes, lindos negros e negras com seus orgulhosos e justos e dignos cabelos afros. E verei mais uma vez famílias com bebês, com criancinhas. E darei a mãos aos amigos e conhecidos gays, a meus irmãos LGBT, porque este fascismo nos repôs a todos como companheiros inseparáveis. Então eu sei que o sentimento mais comum será, em meio às ruas engarrafadas, ao trânsito congestionado, debaixo de todo aperreio, sei que teremos todos um sorriso de felicidade. Nós nos vemos e nos refletimos uns aos outros. E sem palavras, só aos cumprimentos queremos dizer e falar:

– Como é bom estar aqui.

Mas só daqui a pouco. No momento em que escrevo, o profeta apenas imagina o que virá. Mas sabe porque viu antes. Sabe porque narrou no romance A mais longa duração da juventude:

“Estou livre na rua e as janelas todas se abrem no espaço.  Então ouço vozes, muitas vozes, e tambores. O que é isso? O que é essa alucinação? Estou na calçada, o trânsito parou. É verdade, é real, uma passeata de professores e estudantes caminha na avenida. Eles gritam, estendem faixas e pedem assinaturas num abaixo-assinado. ‘Mais educação, salário digno para os mestres’. Com a mão trêmula, porque estou encantado, movido e comovido, assino. E volto os olhos para os manifestantes, que são muitos e ruidosos. Pareço ouvir ‘abaixo a ditadura’ em outras vozes, em novas bandeiras”.

Assim foi, assim é, assim será daqui a pouco. E sempre, sem a menor dúvida, eu sei. Mas ser profeta assim é fácil.

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