A raiva é péssima conselheira

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Reza a lenda que antes de se iniciar um duelo entre dois samurais, em terras orientais, um Mestre desafiou seu Pupilo a identificar qual dos dois provavelmente seria derrotado.

— Observe-os atentamente e descobrirás o perdedor.

— Eu os observei, Mestre, mas não vi muita diferença entre ambos.

— Pois olhe o semblante de cada um e identifique qual dos dois está tomado pela ira.

— Sim, Mestre, aquele parece tomado de verdadeira fúria.

— Pois será derrotado. Quem luta com raiva perde a razão e se torna vulnerável diante do adversário.

Na luta política, a raiva caminha de mãos dadas com a estreiteza e o sectarismo. Sobretudo em correntes políticas que teimam em enxergar o movimento pelo ângulo exclusivo do próprio umbigo e da busca cega da hegemonia.

Evidente que a todas as correntes é dado o direito de se tornar hegemônica. Sobretudo àquelas que se inspiram num projeto estratégico transformador da sociedade.

Mas a hegemonia se conquista mediante salutar processo de unidade e luta no seio de coalizões amplas e diversificadas. Se alcança por mérito, jamais por imposição.

E quanto mais ampla e heterogênea a composição de forças, mais importante e consequente pode ser o exercício da hegemonia.

Não faz o menor sentido encarar todo e qualquer aliado com desconfiança, nem cobrá-lo por posições equivocadas assumidas no passado, como uma espécie de “ficha de antecedentes criminais”. Como se fossem definitivamente maculadas pelo pecado capital.

Arraes não teria sido governador de Pernambuco sem alianças amplas e heterogêneas, atraindo ex-adversários.

Lula só logrou alcançar a presidência da República quando levou o PT a superar a postura segregacionista que manteve por muito tempo, estabelecendo uma ampla e plural composição, tendo em José Alencar, um dos maiores industriais do País, emblematicamente como seu vice-presidente.

Elegeu-se duas vezes sem maioria parlamentar, o que o levou a estabelecer alianças com partidos que não o apoiaram no pleito.

Agora, na resistência democrática ao governo neofascista de Jair Bolsonaro (de natureza sectária e odiosa), não se juntará forças na amplitude necessária, nem se mobilizará milhões de brasileiros e brasileiras, sem combinar a consistência das ideias e a firmeza de propósitos com a leveza própria de quem luta com a convicção de que a vitória é possível.

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