Os comunistas e a poesia

No próximo dia 25 de março, o Partido Comunista do Brasil completa 97 anos de história e luta em um só corpo. A esse aniversário ligo o bom artigo de André Cintra, “Dia Mundial da Poesia: 31 comunistas e seus poemas preferidos” publicado no Vermelho. Ambos me levam a refletir sobre a poesia e os comunistas.

Na tentativa de uma definição geral, penso que a poesia é, em primeiro lugar, um bem que não admite devolução. Assim como nos versos de poema de Alberto da Cunha Melo:

“Eis o que é jovem a cada lembrança
porque não tem data
e série, para envelhecer.
O que hoje recebes
Não pode ser devolvido”

Em segundo lugar, a poesia é um presente a que a gente sempre volta, porque mantém o mesmo frescor de antes, como um carinho de infância antiga, mas sempre renovado. A poesia é um bem que falando para um indivíduo, no mais íntimo da pessoa, fala ao mesmo tempo para toda a humanidade.

Creio que o poema não deve ser confundido com determinados temas, ao assunto, a um canto ao orvalho na flor. A poesia rejeita o perfume que perfuma a rosa. Nem poder confundida com a obscuridade, que com frequência é vista como sublime. Mas o que é a poesia, enfim? Será ela somente a de significados multívocos, quando não ambíguos, com a dignificação de “poesia aberta?” Ou seria ela, mais propriamente, aquele associada ao sentido de beleza e verdade, verdade e beleza, beleza e verdade, até o sol raiar e noite adentro?

O menos arriscado é escrever sobre poesia somente com os poemas que amamos, porque descobrimos neles a expressão de um desconforto nosso, uma angústia que não teve ainda vida expressa em prosa. É se perder para se achar.

Mas a poesia, para os comunistas, o que é? Penso que ela não é só um conceito estético. Eu diria, até mesmo para todo democrata, a poesia não é só estética. Aquela célebre frase de Adorno, quando observou sob o impacto dos crimes nazistas, que escrever um poema após Auschwitz seria um ato bárbaro, lembro aqui para todo militante comunista. Mas como uma tradução. Isto é, “a exigência que Auschwitz não se repita é a primeira de todas para a educação”, que Adorno escreveu, retorna para os comunistas como uma versão crítica: “A resposta à barbárie é a primeira exigência para a poesia”. Exigência?! Já não causou tanto mal aos poetas uma ordem exterior? Sim, mas como escrever em noites de guerra, em dias de assassinatos políticos, em meses de crimes impunes como o de Marielle Franco? Então se pense no tamanho do fardo que temos para com estes malditos tempos, de assalto geral contra a civilização no Brasil.

Podemos então falar de outra maneira: que a poesia fale da vida, dos problemas vividos por todos nós, velhos, jovens, crianças, homens, mulheres, animais e gente. E com um acento de revolta contra o velho novo fascismo. Penso que a poesia para os comunistas é como uma revolução ou a sua promessa. Como bem expressou o poeta Daniel Lima:

“Nada será jogado no vazio.
Nem mesmo o vazio da vida,
porque é vida.
Nem mesmo o gesto inútil,
Pois que é gesto.
Nem mesmo o que não chegou a realizar-se,
Pois que é possível”.

E agora retomo ao aniversário dos comunistas brasileiros na sua relação com a poesia. Quero dizer, é como uma reflexão sobre os militantes vivos, conhecidos, que o narrador fala no romance A mais Longa Duração da Juventude:

“Vejo as águias encanecerem, acompanho os fios brancos de suas cabeças se tornarem frágeis, quebradiços, e me falo e percebo que algumas não piscaram no alto. No píncaro do tempo, não decaíram, como se fossem uma revolta contra a biologia, contra a organização da vida que se desorganiza e se desintegra quando chega ao fim. Parodiando Goethe no poema Um e Tudo, eles foram atravessados pela alma do mundo, e com ela lutaram sem descanso, como se vivos pudessem ter a eternidade. Tomaram outras formas, é certo, mas mantiveram a permanência do ser da juventude”.

E não sei mais como terminar o que tão pretensioso comecei.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor