O debate da tática e a eleição da Câmara em tempos difíceis

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo".
Álvaro de Campos Poema em Linha Reta

"Com cuidado examino
Meu plano: ele é
Grande, ele é
Irrealizável".
Bertolt Brecht 

É grande a acidez com que se critica o PCdoB por sua decisão de apoio ao bloco majoritário na Câmara dos Deputados, hoje ocupado por Rodrigo Maia, um liberal conservador para o qual o governo migrou, como reconhecimento de uma maioria já constituída. Quando vemos o nível da crítica que se faz ao partido, crítica anticomunista, criminalizadora da política, entendemos em profundidade a justeza da nossa política de Frente Ampla.

Como demonstramos no artigo anterior a correlação de forças torna factível uma contrarreforma de profundidade, um retrocesso global de dimensões da reforma trabalhista. Essa é a questão central: qual a tática adequeada para bloquear tais iniciativas, reagrupar as forcas, recuperar a iniciativa política. A questões inicial é se configuraremos uma maioria de extrema direita com possibilidade de ferir as conquistas do nosso povo.

Tendo a gravidade do momento e a inferioridade de forças, não se justifica a dureza contra a posição conciliadora que une PCdoB e PDT, que buscam um candidato que não seja figura do governo Bolsonaro, que assegure o procedimento democrático na condução da Câmara e os direitos da minoria. Talvez fosse prudente ouvir com preocupação o sobrecenho cerrado com que os comunistas conduzem uma política de ampla articulação, buscando construir uma frente que isole o fascismo. É preciso ter coragem para fazer o que é preciso.

Paralelo a esse debate, está em curso um processo de criminalização dos movimentos sociais e de exclusão de partidos pela cláusula de barreira, que já afeta PCdoB, PCB, PSTU e PCO, com restrições a seu funcionamento. Com a incorporação do PPL, o PCdoB supera a cláusula de barreira e se fortalece como interlocutor político na centro-esquerda, defendendo a política de Frente Ampla.

Ocorre que a divergência "moral", em verdade é expressão espetacular de uma divergência política.

Uma importante ala da esquerda, a classe média, sobretudo, estimula a ilusão de uma política sem alianças e com ações radicalizadas e puras. É uma burrice submeter a tática e os direitos que conquistamos a uma visão tão limitada da luta politica. A criminalização, o reproche irracional e universal às alianças políticas é uma manifestação recorrente e falsa correspondente à classe média de esquerda, e tem como equivalente a hipócrita histeria anticorrupção que polariza a classe média de direita. São caminhos que nos perdem, não tem saída, no fundo representam ilusões com a democracia burguesa. Deseducam o povo. Se formos friamente analisar a história dos processos vitoriosos e a teoria que os fundamentou, veremos como nada é mais distante de uma visão que articule dialeticamente estratégia e tática à luz do marxismo-leninismo. Quem acha que ser revolucionário é jamais fazer alianças, leu pouco Lênin:

"em política, onde às vezes se trata de relações nacionais ou internacionais muito complexas entre as classes e os partidos, se registrarão inúmeros casos muito mais difíceis que a questão de saber se um compromisso assumido por ocasião de uma greve é legítimo ou se se trata de uma perfídia de um fura-greve, de um chefe traidor, etc. Preparar uma receita ou uma regra geral ("nenhum compromisso"!) para todos os casos é um absurdo. É preciso ter a cabeça no lugar para saber orientar-se em cada caso particular. A importância de possuir uma organização de partido com chefes dignos desse nome consiste precisamente, entre outras coisas, em chegar – mediante um trabalho prolongado, tenaz, múltiplo e variado de todos os representantes de uma determinada classe capazes de pensar – a elaborar os conhecimentos e a experiência necessários e, além dos conhecimentos e experiência, a sagacidade política exata para resolver bem e rapidamente as questões políticas complexas."  Lênin, 1920

Não é de hoje que os comunistas utilizam ampla mobilidade como tática no parlamento. Conversam com todo mundo. E sempre votam com o povo. E constituem também grandes acordos. É notável a importância do Parlamento no Brasil no que tange à ampliação dos direitos sociais. Com Getúlio Vargas e com a Constituição de 1988 lançamos a base para um estado de direito democrático que se fosse plenamente implementado já significaria um gigantesco passo.

Um país de direitos, de democracia, em que a nossa diversidade seja a nossa força, com a união nacional. É o retrocesso e a decomposição desse conjunto de conquistas que está em jogo. Não temos o direito de ser amadores nas duras disputas parlamentares que se abrem. E o reconhecimento das regras do jogo é uma condição básica para fazer a disputa, assim como negar ao adversário a iniciativa política.

Não porque eles mudam de posição que somos forçados, irracionalmente, a mudar. Fato político é que os próceres da nova velha era xingaram o Maia de tudo e, incapazes de impedir sua vitória, reconheceram-na. E se reestabelece uma tradição quebrada na condução da Câmara que é a condução pela maioria com o direito à minoria, que se consubstancia nos já muito limitados mecanismos do regimento interno e da proporcionalidade. É preciso lembrar da Presidência de Cunha. Se isso não for respeitado, já era. O PCdoB diz, não podemos tornar essa eleição um terceiro turno. E está correto. Pra que? Pra perder?! Que volúpia pelo martírio é essa que nos obrigaria a repetir os erros como virtudes?!

A resistência será de longo fôlego. Não somos puxadinho de ninguém. Pensamos por nós mesmos. Unidade não é subalternidade.

Não me estranha o PT e o PCdoB divergirem na sua política na Câmara. A incapacidade do PT de dirigir seu campo político e seu hegemonismo abriram o flanco para o golpe que se fez no Congresso. E agora a sua ala mais extrema tem o Executivo. Ora, o PT hesitou bastante em assinar a Constituição de 1988. O PCdoB fez diversas emendas, como resgatou Haroldo Lima. O PCdoB, protagonista das Diretas Já, não hesitou em puxar voto para Tancredo no Colégio Eleitoral como a vitória possível e necessária ao fim da Ditadura. Aldo Rebelo conduziu o melhor momento da relação do governo com o Congresso. São, assim, posições divergentes. O PCdoB valoriza todo o espaço possível de ação parlamentar, e inclusive grandes acordos que assegurem direitos. O PT tem uma postura de negação, que não obstante seja inócua para deter esses grandes acontecimentos. No fim das contas, ao longo do tempo, a tática dos comunistas legou aos textos dos avanços do nosso país inúmeras páginas, de poucos, mas combativos, qualificados camaradas. Jorge Amado e a liberdade religiosa. João Amazonas e a participação nos lucros e resultados. A Constituição de 1946, e de 1988. É uma ação vultosa e constante que merece ser considerada.

A posição da bancada e da Comissão Executiva Nacional do PCdoB é um alerta para a esquerda sobre o nível do confronto que se abre. Seu primeiro ato é uma ampla aliança que visa a garantir o cumprimento do regimento. É preciso o acordo e a pressão nas redes e nas ruas. Não devemos dar à extrema direita a iniciativa e a maioria do processo legislativo, que poderá consolidar o arbítrio se dermos a chance. Reconhecer a situação de minoria e a necessidade de amplas alianças, flexibilidade tática, cumprimento do regimento e toda sorte de mobilização e pressão para impedir as contra reformas é persistir na luta, se ser consequente com a luta. Negar a realidade e xingar não nos levará à Frente Ampla. E, certamente o PT, que se juntou em 2007 com o PMDB para derrotar o Aldo Rebelo na Presidência da Câmara, não pode predicar tamanha pureza. Na verdade, por ter uma bancada maior, tem outras facilidades e objetivos bem mais pragmáticos, sem qualquer solidariedade com legendas menores – assim o demonstra a sua história eleitoral e os posicionamentos nos temas da Reforma Política.

Dos trabalhadores e do movimento sindical, espera-se saber aliar uma grande capacidade de mobilização – inclusive em apoio à juventude estudantil – com uma descomunal capacidade de diálogo com todos os que se opuserem, mesmo que topicamente, às medidas do governo. Há que rever todo o sistema de contato das centrais sindicais com o Congresso e o Executivo. É preciso parar de bravatas e organizar a ação coordenada nas ruas e no parlamento, exigindo todas as garantias e denunciando o arbítrio. Nós precisamos reconhecer a diversidade política das centrais sindicais, que não representam apenas o espectro classista e constituir um programa comum, como foi a Agenda da Classe Trabalhadora da 2a. Conclat. Temos de ser consequentes com uma política de Frente ampla, que não é de frente de esquerda. O jogo começa agora.

É uma contingência da política ser Rodrigo Maia o ponto de equilíbrio face ao risco do puro e simples rolo compressor. A escolha da tática mais radical só elude o abandono – desde o princípio – da disputa no Parlamento. Seria um erro imperdoável. Temos é que arrancar o máximo de compromissos e mobilizar a sociedade para uma ação de grande fôlego sobre o parlamento e no trabalho de base. Quem considera que a única forma legítima de embate é o confronto total, simplesmente tem uma visão iludida da luta política. Na verdade, esse radicalismo infértil é um surrado argumento honroso para desconhecer uma situação objetiva, ainda que momentânea, de inferioridade e, por isso, sair da luta, a desistência por antecipação, que entrega tudo. Em vez de coragem, é o recuo mais vergonhoso. Espera-se de uma força revolucionária agir de acordo com uma criteriosa e fria análise, não com paixões. Se o zap, o Facebook, etc. só valorizam o confronto, a bravata, o nonsense, a demarcação, a vida é muito mais rica que os avatares, a luta é em toda parte. E há papéis distintos na luta. Parlamento e rua se comunicam, mas diferem.

E a saída é a Frente Ampla.

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