Tiro de festim

Tanto estardalhaço na campanha eleitoral, mas a tal liberação do uso de armas de fogo pelo ocupante do Palácio do Planalto, em Brasília, acabou sendo um tiro pra cima. Um faz de contas pra agradar a bancada da bala no Congresso Nacional e a indústria de armas. Medida de todo contraditória.

Pra começo de conversa, de nada adiante ter uma arma se não puder fazer uso dela, conter ou matar supostos bandidos. O discurso apregoado antes das eleições era de jogar o controle da criminalidade nas mão do cidadão, já que as polícias não dão conta do serviço. Era de liberar o faroeste, mas não é isso que está no Decreto.

Em verdade, nas cidades e no campo, quem já usa arma ao bel-prazer não está nem aí pra autorizações. As quadrilhas urbanas e os bandos de jagunços principalmente dos sertões amazônicos, a soldo de mineradores, madeireiros e ruralistas já praticam seus crimes, cada vez mais incentivados por medidas do governo federal – esta de agora é apenas mais uma.

A primeira medida desses governantes após a posse, já em 1º de janeiro, foi a suspensão da demarcação de terras indígenas, seguida de outras relativas a quilombos e áreas de proteção ambiental. Esses indicativos são, na prática, mais eficazes ao desmando do que normas sobre uso de armas de fogo. O desmatamento está correndo solto, por exemplo.

Até agora, a compra de armas seguia regras rígidas, que exigiam a comprovação da real necessidade junto à Polícia Federal pra que as lojas pudessem vender a esse ou aquele comprador. As novas normas requerem apenas comprovação de endereço, ocupação e ficha limpa de processos criminais. De todo jeito, os dois primeiros são de difícil obtenção por indígenas ou membros do MST, pra citar dois casos.

Pelo decreto assinado, qualquer pessoa que se enquadrar nessas exigências e morar em unidades da federação “com elevados índices de violência” está habilitado. Esse índice é medido pelo Mapa da

Violência 2018, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e enquadra toda unidade com média de mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes no ano. Ou seja, todos os 26 estados e o DF.

A média anual no país foi de 30,3 casos de morte violenta, sendo a mais baixa em Santa Catarina (14,2) e a mais elevada em Sergipe, que registrou 64,7 casos. Segundo o Mapa, dos 309 municípios brasileiros com mais de 100 mil habitantes, apenas 23 obtiveram taxas inferiores a 10 homicídios por 100 mil habitantes, sendo a mais baixa em Brusque (SC), que foi de 4,8 mortes. Já o mais elevado do país foi em Queimados (RJ), com 134,9 casos.

Em resumo, a medida do governo não tem efeito algum no combate à violência, muito pelo contrário, pois apenas aproxima as armas das pessoas. Especialmente se levarmos em conta que 2/3 dos homicídios registrados no país ocorreram no ambiente doméstico, em muitos casos por acidentes envolvendo crianças. Também inspiram maridos violentos, como demonstra o crescente número de feminicídios que se tem noticiados.

Ademais, entre os tantos mistérios do decreto presidencial está o mais esquisito: cada portador estará autorizado a manter até quatro armas em sua casa ou local de trabalho.

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