Especial de fim de ano
A confusão era tremenda, mas normal daqueles momentos que antecedem o início de um grande show. Reunir uma seleção brasileira de gigantes da MPB para uma celebração de final de ano parecia ótima ideia, mas não era moleza.
Publicado 04/01/2019 15:13
Acabou sobrando pro síndico, organizar a bagunça. “Não tem caô mermão, no final sobra pra preto, pobre e gordo carregar o piano. É F*#@!” . E dando uma talagada num pote de água benta e uma baforada num baurete colhido nos campos do Senhor, Tim Maia do Brasil adentrou o palco onde a banda Seroma Racional tentava se ajeitar em meio à enorme parafernália de cabos, microfones, metais, percussão e cordas pra todo lado. Tim estava gordo como sempre, mas renovado, a pele rejuvenescida, os olhos brilhavam como nos velhos tempos da Rua Matoso na Tijuca.
Meio nervoso, se sentindo uma baiana de acarajé dentro daquela bata branca, Tim comeu umas laricas – toucinho do céu, papo de anjo, arroz doce, canjica – cuidadosamente preparadas pela legião de arcanjos e querubins, a postos para qualquer eventualidade. Começou a repassar mentalmente o repertório – “50% esquenta sovaco e 50% mela cueca” – daquela noite inesquecível, que faria o especial de fim de ano Roberto Carlos ficar parecendo uma festa de formatura.
Abririam os trabalhos com “A Festa de Santo Reis”, segundo Tim: “pra já pagar o jabá dos patrocinadores”. Depois a Seroma (as sílabas iniciais de Sebastião Rodrigues Maia) atacava um pout-pourri com “Imunização Racional (Que Beleza)”, “Guiné Bissau,Moçambique e Angola” e por fim “Primavera (Quando o inverno chegar)”, pra fechar o primeiro bloco numa relax, numa tranquila, numa boa.
O escrete da Seroma nesta formação especialíssima reunia o supra-sumo dos instrumentistas da MPB. Na bateria Wilson das Neves. O naipe de metais sob o comando do maestro Paulo Moura. Celso Blues Boy na guitarra, Francisco Tenório Jr. (Tenorinho) no piano e Taiguara nos teclados. Reforçando a cozinha, um recém chegado de peso: Arthur Maia, diretamente de Nikity, estreando na área, garantia o suingue e a pulsação do contrabaixo, para o deleite do Tião Maia da Tijuca.
O coro de vocalistas era divino e infernal: Elke Maravilha, Jovelina Pérola Negra, Belchior e Cazuza.O maestro Villa Lobos deu uma força, escrevendo arranjos vocais entrosados e preciosos. Além de cantar no coro, fariam números solo ao longo do espetáculo, cujo roteiro e direção cênica estavam a cargo de Luiz Carlos Miéle e Ronaldo Bôscoli, com cenografia e iluminação assinadas por outra dupla de ouro e de Hélios: Oiticica e Eichbauer.
Haveria um bloco todo dedicado à turma da Bossa Nova, cuidadosamente preparado por Miéle e Bôscoli, recheado de participações especiais: Vinícius, Tom e Elis atacavam com “Canto de Ossanha”, para logo emendar com “Regra 3” e fechando o pout-pourri, “Águas de Março” e a clássica “Garota de Ipanema”. No bis, Elis convidaria Jair Rodrigues e Simonal para relembrar os tempos do “Fino da Bossa” com uma versão atemporal de “Na tonga da mironga do kabuletê”.
O penúltimo bloco, uma homenagem ao rock brasileiro, seria comandado por ninguém mais ninguém menos do que o maluco beleza: Raul Seixas abre o set descendo pelos ares em uma carruagem alada, no grande efeito especial da noite, misturando versos de “Asa Branca” e “Blue Moon of Kentucky” em uma levada de rythim n’blues, como nos tempos do Elvis Presley fan club da Bahia. Depois chama Cazuza e Celso Blues Boy para uma canja histórica, dividindo os vocais em “Expresso da noite” e “Marginal”, 2 pérolas do underground carioca dos anos 80. Raul ainda voltava pra apoteose final – o malucão queria fechar com “Rock do Diabo”, mas Tim vetou: “corta essa aí ô Raul Seixas, vai pegar mal com a direção da casa”. Irreconhecível esse Tim Maia! Raul então encerraria o bloco com Belchior, em um dueto inédito onde emendariam 2 clássicos: “metamorfose ambulante” e “apenas um rapaz latino-americano”.
Para o bloco final, Tim Maia do Brasil voltava com tudo pra fechar a conta e passar a régua: “Do Leme ao Pontal”, “Sossego” e “Não quero dinheiro (só quero amar)”, uma saraivada de hits pra não deixar ninguém sentado na cadeira. Para o bis, voltariam todos os artistas convidados para um encerramento apoteótico com “Festa de Arromba”, em homenagem a Roberto e Erasmo Carlos.
Completando a ficha técnica do show, destaque para a equipe audiovisual: Glauber Rocha e Mário Carneiro comandavam direção e fotografia; na ilha de edição ao vivo tabelavam Borjalo e Carlos Manga; produção de Walter Clark, textos de Dias Gomes e Janete Clair, e como apresentadores Leila Diniz e Luiz Carlos Maciel.
A platéia lotada já esperava impaciente o início do espetáculo. Tim Maia dá mais um de seus esporros no técnico de som pedindo mais grave, mais agudo, mais retorno, mais tudo! As luzes se apagam, toca o terceiro final e se acendem as luzes da ribalta. Abra suas asas, solte suas feras, o show vai começar! Feliz 2019!