A máquina de mentir de Bolsonaro foi lubrificada com dinheiro ilegal

Reportagem da Folha de São Paulo, publicada no último dia 18, lançou mais luz sobre o que já era óbvio para qualquer análise razoável da massiva propagação de fake news contra Haddad e Manuela: essa prática é bancada por apoiadores íntimos de Bolsonaro, com dinheiro ilegal. O resultado das urnas no último dia sete está manchado pelo abuso de poder econômico e pela mentira que sustenta uma candidatura que ataca abertamente a democracia.

Ilustração: Tainan Rocha/Quanta Academia de Artes

O Judiciário brasileiro tem agora a chance de calar seus críticos e mostrar que realmente é equidistante e imparcial. No TSE já tramitam ações sobre o caso e novos documentos estão vindo a público todos os dias.

Há mais de três séculos, em sermão célebre, o padre Antônio Vieira advertia contra o pecado da omissão: se muito as autoridades hão de pagar pelo que fizeram, muito mais pagarão pelo que deixaram de fazer. Sobre o TSE, pagou o preço de rasgar um tratado internacional de direitos humanos para impugnar o presidente Lula, pesa agora a responsabilidade pelas consequências de uma omissão.

A reportagem apresentou indícios concretos de que empresários apoiadores da candidatura de Bolsonaro compraram, com empresas especializadas, serviços de disparos em massa de mensagens no WhatsApp. É impossível imaginar o volume total, mas um desses disparos chegou a custar R$ 12 milhões.

Nenhum centavo desse dinheiro foi declarado nas contas da campanha, como deveria ser.

Há ilegalidade a ser apurada tanto devido à utilização de caixa 2 como pela doação de dinheiro feita à campanha por empresas, prática ilegal e motivo suficiente para a impugnação da candidatura. O STF – que Eduardo Bolsonaro fecharia com “um soldado e um cabo” – já decidiu, em 2015, na ADI 4650, que pessoas jurídicas estão proibidas de financiar campanhas eleitorais.

O “eu não tenho nada a ver com isso” de Bolsonaro não exclui sua responsabilidade legal. E, aliás, sequer é possível acreditar nisso, dada a proximidade do candidato com as empresas que a Folha lista como financiadoras da propaganda impulsionada pelo WhatsApp.

O elo entre esses empresários e Bolsonaro é explícito! O mais notório deles, inclusive, começou o projeto de retroagir décadas na história divulgando, orgulhoso, a prática do voto de cabresto. Luciano Hang, dono da Havan, obrigou os empregados na sua empresa a trajarem roupas com propaganda eleitoral de Bolsonaro e, inclusive, aparecerem em vídeos nos quais o patrão pede votos. Como se não bastasse, Hang deixou ameaças implícitas de dispensa no caso de derrota do seu candidato.

O conteúdo das mensagens que ele e outros, conforme a Folha, pagaram para circular não era apenas de cunho eleitoral e nem tão somente contrário à candidatura de Fernando Haddad. Mentiras infames, absurdas, várias delas inclusive derrubadas na Justiça, chegaram aos brasileiros por meio desse mecanismo. Uma máquina de mentir, lubrificada com dinheiro ilegal, deu vantagem a Bolsonaro. O equilíbrio econômico do pleito foi comprometido à luz do dia.

Mais uma vez, a Constituição Federal é atacada sem qualquer pudor. É o princípio da lisura das eleições, absolutamente necessário para que o pleno exercício da soberania popular, que está em jogo. Bolsonaro falava muito sobre as urnas eletrônicas e suas fantasmagóricas fraudes. Hoje, sabemos que ele media o Brasil com a sua própria régua: a fraude do pleito não estava nas urnas, mas nessa campanha baseada na mentira como método que, como se não bastasse, foi feita com dinheiro ilegal.

Trata-se de financiamento empresarial ilegal de uma campanha, de forma aberta, explícita e reiterada.

O TSE tem diante de si as evidências da prática criminosa (que já influenciou o resultado das eleições no primeiro turno). Também tem os instrumentos legais para resguardar as provas e realizar a apreensão dos documentos e quebra dos sigilos bancário, telefônico e telemático das empresas citadas na denúncia. Pelo bem da democracia, precisa agir rápido, para de fato garantir a lisura do processo eleitoral.

A ministra Rosa Weber, presidente do TSE, disse em coletiva no dia 21 que as autoridades “ainda não descobriram o milagre para que se coíbam as fake news”. De fato, trata-se de um fenômeno recente e ainda sem pesquisa e legislação suficiente. Mas o “milagre” para combater financiamento ilegal já existe e está no art. 22, inciso XIV da Lei Complementar 64/90: cassação de Bolsonaro e sua inelegibilidade por oito anos.

Ele sabe disso. Diante desse cenário, qual a sua reação? Com a mesma covardia com que fugiu do debate público e aberto, ele ameaça as instituições e a sociedade! Apela para o medo, insufla o ódio de fanatizados. Sempre se dizendo “mal interpretado”, já ameaçou a democracia em inúmeras ocasiões. Antes do primeiro turno disse, sugerindo que o Exército concordaria com ele, que qualquer resultado diferente de sua vitória seria uma fraude. Em ato de campanha, conclamou seus apoiadores a metralharem os contrários. Agora, ao invés das explicações devidas, afirma que seu governo abrirá uma época de cadeia e exílio para quem se opuser.

Ora, não é preciso muito mais para entender o nível de ameaça que paira sobre a democracia brasileira. Já dizia o padre Vieira que, no julgamento final de todos nós, pesarão também todas as vezes em que nos recusamos a agir: “a omissão é um pecado que se faz não fazendo”. Diante de todas as evidências, espera-se que os poderes dessa República, que ainda existe e ainda tem uma Constituição, não se omitam.

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