A política externa de Temer/PSDB expira como nasceu: mentindo

Em dois atos finais, a tragédia da política externa de Temer e do PSDB anunciou seu epílogo. Uma entrevista do chanceler Aloysio Nunes e o discurso do presidente na abertura da Assembleia Geral da ONU resumiram a mistura de subserviência, hipocrisia e cinismo a que foi reduzida a orientação da inserção internacional brasileira desde 2016.

Ilustração: Tainan Rocha



Começando por Temer, o discurso que seus assessores prepararam está em completo descompasso com a realidade da política externa implementada após a derrubada de Dilma Roussef. Sem qualquer constrangimento, Temer empolou a voz para descrever princípios que não pratica. Ao contrário do que disse e fez parecer, sua política, conduzida desde o início pelo PSDB, está na contramão de quem pretende se precaver quanto aos perigos do unilateralismo, do isolacionismo e da intolerância.

Fosse um episódio de arrependimento, Temer e seu governo poderiam ouvir a mesma frase dita pelo corifeu “Antígona”, outra tragédia –milenar – a um rei que pagou o preço por demorar muito a reconhecer os próprios erros: “como tardaste a distinguir o que era justo”. Mas, na tragédia brasileira, só resta mesmo a hipocrisia de um presidente pequeno que descaradamente posa com máscara de estadista ao mesmo tempo em que se esforça para apequenar o Brasil e reverter o rumo soberanista construído pelo governo Lula. As palavras de Temer chegaram tarde e desacompanhadas das ações.

Ele disse diante da Assembleia da ONU que o Brasil defende o multilateralismo. Em questões comerciais, enalteceu a Organização Mundial do Comércio (OMC) e reiterou o respeito ao primado de seu sistema de resolução de controvérsias. Porém, não disse que foi no seu governo, ainda na gestão de José Serra no Itamaraty, que se optou por um alinhamento acrítico às posições dos EUA, inclusive contra os interesses brasileiros, contribuindo para o ataque contra as instituições do multilateralismo.

Também não disse que seu governo apostou todas as fichas na adesão a mega acordos de comércio que estavam em construção à margem da OMC. Lesivos aos interesses nacionais (e aos países em desenvolvimento), esses acordos eram justamente a forma encontrada pelos mais ricos para impedir que a maioria emplacasse suas demandas, justamente graças ao âmbito multilateral.

Em um dos momentos de mais profundo cinismo, Temer lembrou que o Brasil tem compromisso com a integração regional. Enalteceu a política sul-sul (que também não é dele), e os laços históricos que nos unem a nossos vizinhos. Porém, esqueceu-se de mencionar que seu governo esvaziou a integração ao abandonar a União de Nações Sul-Americanas (Unasul), além de buscar excluir do Mercosul qualquer caráter de unidade que vá além do aspecto comercial. Alterando inclusive um princípio seguido pelo governo de FHC, retirou autoridade do país na gestão dos conflitos regionais ao atender às pressões dos EUA pelo isolamento da Venezuela

Hoje, Brasília não tem condições políticas para mediar soluções para uma crise no país vizinho porque Temer deu ao governo o papel de mero gendarme de Washington. A única forma de “trabalhar pela crescente convergência dos processos de integração na América Latina e no Caribe”, usando as palavras de Temer – tão diferentes das ações – é retomar as bases da política externa altiva e ativa do período anterior ao golpe de 2016.

A ironia não parou no suspeito bolivarianismo do presidente. Em seu discurso, ele também afirmou que a diversidade é uma característica fundadora do povo brasileiro e lamentou as violações a direitos humanos que ele vê em todo o mundo, mas não percebe por aqui. Inclusive, se permite dizer – com absoluta razão – que nosso país tem o compromisso de proteger tanto os direitos civis e políticos, como os econômicos, sociais e culturais.

O Brasil, após deliberadamente recursar-se a cumprir uma determinação do Comitê de Direitos Humanos da ONU que determinou a garantia dos direitos políticos plenos do presidente Lula, tem seu representante falando à Assembleia das Nações Unidas como se nada houvesse acontecido. Hoje, o país faz parte do grupo de países que desrespeitam tratados internacionais de direitos humanos, mas o presidente finge que não é conosco.

No segundo ato, após a fala de Temer, foi a vez do chanceler. De Nova Iorque, em entrevista à BBC, Aloysio repetiu as mesmas juras de amor à integração regional, mas igualmente não explicou como elas podem coexistir com a prática de esvaziamento das instituições necessárias à integração. Como um “bolivariano”, Aloysio falou sobre sua convicção quanto à existência de uma “identidade latino-americana”. Chegou a dizer que acredita na presença de condições políticas e sociológicas, além de um “imperativo econômico”, que colocam a região naturalmente no caminho da unidade. Sendo assim, por que a sua gestão atuou para paralisar a Unasul, organização que se baseia exatamente nesse mesmo pressuposto? Por que o Mercosul tem sido esvaziado de seu conteúdo político? Como conciliar a integração com a América Latina ao alinhamento com Washington?

A verdade, que Aloysio e Temer agora procuram esconder e deliberadamente falsear, é que após sua chegada ao poder, com a entrega da política externa ao PSDB, o Brasil abdicou de suas posições e interesses próprios para atender aos aliados externos da agenda golpista. Justamente por isso o governo age contra a agenda regional e a aproximação que estava em curso com os demais países em desenvolvimento.

Mesmo o que o triste período de Temer-PSDB à frente do Itamaraty vendeu como sua grande “realização” – um acordo comercial do Mercosul com a União Europeia (nocivo para o Mercosul, diga-se) – não saiu do papel nem mesmo quando os sul-americanos abriram mão de pontos importantes para permitir o avanço das negociações. Assim, até no limitado âmbito de uma política externa que procurou ser definida exclusivamente pelo viés comercial, tudo se resumiu a um enorme fracasso.

Mas Aloysio foi além. Na mesma entrevista, ele diz que uma vitória de Bolsonaro nas eleições presidenciais deste mês não seria um retrocesso para as relações internacionais do Brasil. Na sua interpretação, o candidato do PSL é tão somente o canal de expressão das opiniões conservadoras do país.

Ora, Bolsonaro não é apenas um conservador a mais no Brasil. Um breve passar de olhos pelo programa que apresentou ao TSE é suficiente para evidenciar que suas posições são abertamente contrárias aos fundamentos que orientam a inserção brasileira no mundo – e que Temer procurou fingir defender. Na verdade, se retirarmos os trechos mais fantasiosos e delirantes da visão bolsonarista de relações internacionais, que repete a velha e mentirosa retórica anticomunista tão conhecida pelos brasileiros, sobra um pensamento ultraliberal em tudo semelhante ao praticado por Temer e pelo PSDB. Talvez seja esse o mérito das declarações do chanceler: evidenciar que Bolsonaro tem uma visão de política externa igual ou ainda pior que a praticada durante seu período à frente do Itamaraty.

O Brasil terá a chance de, nas urnas, alterar esse curso e devolver o país ao seu lugar de liderança no cenário internacional, à altura de suas dimensões e capacidades. Ainda não é tarde para distinguir com clareza o que é justo.

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