Lula e a memória do povo

Mais de um comentarista político tem desperdiçado seus neurônios e especulações para uma resposta à pergunta: como pode um homem preso, condenado pela melhor justiça do planeta, massacrado por toda imparcial e grande mídia, como pode um criminoso sobreviver e pegar os números cada vez mais altos nas pesquisas para a presidência?

Perdidos, os analistas falam que nunca houve uma corrida presidencial com um candidato preso e inelegível liderando todas as pesquisas. E diante do fenômeno, comentam que o crescimento de Lula é apenas um acerto da sua estratégia em ser notícia. Ou como o imortal Merval Pereira comenta: “Lula aumentou devido à exposição pelo registro no TSE, pois o PT é muito competente na propaganda”. Grande Merval. Já outra imortal de pérolas Míriam Leitão ensina que “Lula faz parecer vitória a sua maior derrota. Tudo serve ao propósito de outro papel que ele sempre soube fazer: o de vítima”.

Será, como falam os imortais da mídia mais mortal, quero dizer, letal, tanto pelo fim próximo quanto pelo veneno, será que a vitória de Lula nas pesquisas eleitorais mostra mesmo o acerto da tática da vitimização dos “petistas”? Sim, dos petistas, essa palavra que pronunciam com nojo, à margem de qualquer análise científica, pois fazem de todo povo a maior multidão da Terra em um só partido. Seriam os petistas a reunião do PCdoB mais os bolcheviques mais o partido comunista chinês?

No romance “A mais longa duração da juventude”, notei que para a memória o passado é o mais longo tempo. O passado está sempre sendo reconstruído, queiramos ou não. Nem parece que foi ontem, como se diz. Parece que foi agora, nesse raio de segundo que passou na extensão desta frase. Por mais que não queiramos, por mais que ergamos novos obstáculos à sua volta, quanto mais fazemos de conta que não vemos as datas e seus significados, o passado volta e vem e nos encontra, quando menos o esperamos. Pessoas são como estrelas cuja luz vem para nós, não importa quantos anos distantes. A memória se reconstrói em todos nós como se fôssemos artistas cujo ofício é lembrar.

Assim, faz parte da memória do povo as conquistas sociais, trabalhistas, de educação e humanidade recebidas no governo Lula, que ele expressou no discurso ao se despedir da presidência no Recife:

“Era preciso que o presidente tivesse um olhar total do seu País, para conhecer o seu povo, e poder governar distribuindo possibilidades para que todos tivessem condições de participar do desenvolvimento deste País. Foi a partir da descoberta das eleições de 1989, em que eu descobri que era falsa a disputa eleitoral, que um presidente da República pegar um avião em São Paulo, descer no aeroporto de Recife, subir num palanque, voltar para o aeroporto e voltar para São Paulo não lhe permitia o povo pernambucano, era preciso que ele conhecesse um pouco mais. (…) Foi a partir daí que resolvi fazer as caravanas da cidadania. E comecei fazendo a primeira caravana percorrendo o trajeto que a minha mãe percorreu com oito filhos, saindo de Caetés até a cidade de Santos, em São Paulo. Parando em cada cidade, conversando com as pessoas. Depois eu percorri 91 mil km de carro, de trem, de ônibus, de barco. Para conhecer a cara, o jeito, o contar da piada, da graça, o cantar do povo pernambucano, o sofrimento do povo brasileiro. E isso me deu uma dimensão do Brasil que eu queria governar”.

Quando a televisão, os jornais se referem a “petistas”, não sabem que os petistas são cadeirantes pedido passagem para rever Lula, são senhoras velhinhas apoiadas nos netos, são indivíduos cegos a tatear com suas bengalas, são jovens, muitos jovens, negros, muitos negros, negros na pele e no peito, que ouviram sérios, com absoluta atenção o presidente que lhes falava, apontando para um menino da favela que tocava violino: “Ele, Daniel, só queria uma oportunidade” Esse povo de petistas sabe os Daniéis que são.

Lula é o preso que faz parte da memória desse povo. Nada será capaz de matá-lo, nem os Moros, nem os os TRs de justiça, nem os programas de televisão com seus cientistas políticos de mercado. No passado de Lula está a negação dos roubos e propinas de que o acusam. A sua memória no povo é outra, como no dia em que vi Lula visitar o bairro periférico do Recife que chamam de Água Fria.

Súbito, houve um estouro, não de fogos, nem de boiada. Houve um rumor que cresceu, que se tornou incontrolável, que mais lembrou um orgasmo coletivo. Sofrido, querido e esperado. É Lula! É Lula! Todos gritavam. Os berros se fizeram ouvir mais alto, ensurdecedores. Mulheres, meninos, homens chamavam a atenção do Presidente, queriam chamá-lo, e ele não sabia para que lado do cercado de cavaletes se dirigia. Na hora uma ideia tenebrosa me ocorreu: se caísse um raio ali, todos morreriam felizes. Mas essa ideia não alcançou palavras. Lula veio para o nosso lado. Era ele. Todos queriam lhe tocar a mão. Aos gritos. Aos prantos. Aos empurrões. À força. Por isso as mulheres gritavam, “Lula, meu lindo!”, por isso os homens apertavam-lhe a mão, com força e calor, por isso os meninos levantavam a cabeça, todos os meninos levantam a cabeça.

Esses meninos, esses jovens, esses homens e mulheres conjugam agora o verbo ser no presente e futuro: eles são, eles serão iguais a Lula. Mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra, cada um à sua maneira. Nada é capaz de arrancar a pessoa de Lula da memória do povo. Quem montou no cavalo do golpe que o aguente. Uma liderança legítima sobrevive a toda infâmia, a toda força policial ou militar. Os golpistas passarão. Lula é passarinho.

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