Meu último pequi

Os cenários socioambientais do Cerrado brasileiro estão mudando numa velocidade assustadora. Em verdade, estão desaparecendo. Em seu lugar, o avanço do latifúndio, devastando a fauna, a flora, o solo, as águas e as comunidades sem dó nem piedade, com todas as benesses do governo federal.

Na superfície, os efeitos das plantações de grãos são visíveis a olho nu, pois elas invadem faixas de domínio de rodovias, margens de cursos d’água e veredas, formando estranhos desertos verdes. Mas, o uso exagerado de agrotóxicos, por exemplo, gera danos bem mais sorrateiros sobre o solo, as águas e os próprios seres humanos, mudando pra pior as condições de vida.

Nos estados de Goiás e Mato Grosso, pra citar apenas dois, a ação dos ruralistas se expande por áreas outrora ocupadas por pequenos produtores, desfazendo formas de vida e suas culturas. Vão-se embora o catira e o cururu, as danças e festas populares, violas e violeiros, dando lugar ao ronco ácido de tratores e carretas.

Há muito tempo, a soja – ou o feijão de soja, como era chamado – era plantado nos estados do Sul, em maior quantidade no Paraná e Santa Catarina. Na década de 1970, porém, o Japão, altamente dependente dela, criou a Japan International Cooperation Agency (JICA) e financiou o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (Prodecer), que pagou pesquisas da Embrapa e o plantio pioneiro, experimental, no Sul de Goiás e Oeste de Minas Gerais.

Eficiente, a Embrapa desenvolveu sementes que se adaptaram bem aos solos e climas tropicais, mas exigindo o uso de venenos de vários tipos inclusive pra evitar a rebrota das raízes de plantas nativas que haviam sido arrancadas. Assim, as lavouras de soja passaram a ser também depositárias de galões de agrotóxicos vazios.

Sem falar que alguns dos venenos aplicados nessas lavouras têm efeitos colaterais imprevisíveis, como o da taxa de suicídios entre as comunidades regionais. Expostas a esses agrotóxicos por longos períodos, as pessoas são levadas à depressão psicológica e daí à atitudes intempestivas, segundo pesquisas de diversas universidades brasileiras.

Estudos do Ministério da Saúde apontam um desses venenos, o glifosato, como também causador de câncer. No entanto, sua aplicação, inclusive por aviões agrícolas, é descontrolada. Atinge em cheio populações de todas as idades em residências, escolas, locais de trabalho e centros comunitários.

De igual modo, esses agrotóxicos escorrem pelo solo e chegam a córregos e rios ao rés do chão ou aos lençóis freáticos no subsolo, atingindo populações remotas. Esses efeitos são sequer mensurados pelas autoridades da saúde.

Não se trata aqui de questionar o valor nutricional da soja, um alimento multiuso. A questão é saber a quem ele serve. Como sabemos, a produção brasileira desse grão é quase toda exportada, deixando as áreas de plantio diretamente aos principais portos marítimos brasileiros. Pra trás, apenas o rastro. E a gente fica apenas lembrando do gostinho do arroz com pequi, cozido ao som de seriemas e sabiás.

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