Raízes históricas do fascismo croata

A formação da Iugoslávia, Estado dos eslavos do sul, remonta ao desmantelamento de dois velhos impérios derrotados pela França e Inglaterra na I Guerra Mundial, o austro-húngaro e o otomano. Logo surgiram desacordos entre os sérvios e os croatas, que ao lado dos eslovenos, bósnios, montenegrinos e macedônios, eram as nacionalidades que compunham o novo Estado. Duas diferenças culturais que remontam à Alta Idade Média os separam: a escrita e a religião.

Não foi nem um sérvio, nem um croata, mas um búlgaro, Nino Ninov, quem me fez tomar consciência pela primeira vez do peso destas diferenças. Conheci Ninov numa viagem de trabalho jornalístico à Bulgária, junto à agência estatal “Sofia Press”, no outono de 1979. Minha tarefa era organizar um suplemento especial sobre o país, o povo e o socialismo búlgaros, para Afrique-Asie, revista anti-imperialista publicada em Paris, de cujo corpo de redatores eu fazia parte. (O suplemento foi publicado no nº 210, sob o título “Bulgarie, à l’aube du socialisme avancé”).

O ar estava frio, mas o sol brilhava na bonita manhã em que Ninov me fez visitar a preciosa coleção de ícones conservada na cripta da catedral Alexandre Nevski, erguida no início do século passado, no centro de Sofia, para comemorar a libertação da Bulgária, após muitos séculos de dominação turca. Na guerra de independência búlgara, vitoriosamente concluída em 1876, foi decisivo o apoio do czar Alexandre II da Rússia, cujo patrono era Alexandre Nevski, o célebre príncipe de Novgorod que derrotou os suecos no rio Neva (daí seu nome de Nevski) em 1240, lançando as bases da formação do Estado russo. Herói e santo (canonizado pela Igreja ortodoxa), Alexandre Nevski é venerado não somente entre seus compatriotas (recebeu do poder comunista a mais bela homenagem: o inesquecível filme de Eisenstein com trilha musical de Prokofiev), mas por todos os eslavos fiéis a suas raízes notadamente os búlgaros. Não é este, porém o caso dos croatas e outros eslavos deslumbrados com o Ocidente.

A raiz dessa fidelidade “identitária” (como se diz hoje entre nós) dos búlgaros foi plantada no século IX por dois monges de origem grega, os irmãos Cyrillus e Methodus, empenhados em traduzir os textos evangélicos, bíblicos e canônicos redigidos em grego, hebreu, latim e aramaico para as populações eslavas junto às quais atuavam como missionários do cristianismo bizantino. Como Ninov enfatizou, a Bulgária absorveu criativamente, durante seus primeiros séculos de existência, as influências dos dois grandes centros de civilização que a cercavam, Roma e Bizâncio. Não apenas no que se refere às transformações que imprimiu aos ícones bizantinos (tema que por si só mereceria um bom comentário), mas também na adoção do alfabeto eslavo. Nem o alfabeto latino, nem o grego se prestavam para exprimir adequadamente os sons e as particularidades fonéticas das línguas eslavas. Os dois irmãos combinaram letras do alfabeto latino e do grego e inventaram letras novas para denotar fonemas próprios ao eslavo. Formaram assim o rudimento do alfabeto, mais tarde aprimorado, que receberia o nome de cirílico, adotado pelos búlgaros, pelos russos, pelos sérvios e outros povos eslavos, que assim assumiram profundamente nossa identidade. Ao passo que os poloneses, os croatas, os tchecos e alguns mais ficaram com o alfabeto latino, por várias razões, a principal das quais não é religiosa: são povos que voltaram as costas para sua identidade cultural eslava.

Naquele já distante ano de 1979, ao ouvir os comentários de Ninov, eu já sabia que a divisão dos eslavos nos séculos finais do primeiro milênio entre os que afirmaram sua identidade usando um alfabeto próprio e aderindo ao cristianismo oriental e os que escolheram a submissão ao Sacro Império Romano Germânico, mantivera-se operante ao longo da história europeia. Mas jamais teria imaginado que os continuadores do Estado terrorista da Ustacha, implantado na Croácia ocupada pelo Reich nazista, voltariam à ofensiva, com êxito, no início dos anos 1990. Nem, tampouco, que a equipe croata, vice-campeã da Copa do Mundo de futebol em 2018, atrever-se-ia a fazer propaganda nazista perante três bilhões e meio de espectadores.

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