Cansei de assistir “chiliques”

De 1989 a 2006 o presidente Lula disputou cinco eleições. Perdeu as três primeiras e ganhou as duas últimas. Suas derrotas foram consumadas ainda no 1º turno, à excessão de 1989 quando o país ainda respirava os ares mudancistas da constituinte de 88 e as

Por outro lado, suas vitórias jamais ocorreram no primeiro turno, apesar do desastre dos oito anos de FHC e da aparente fragilidade de seus adversários, jocosamente apelidados de “mordomo de filme de terror” e “picolé de chuchu”.



O que explica as dificuldades de Lula, mesmo em cenários favoráveis? É a luta de classes. Algo que o PT, pela sua origem, formação teórica e ilusão de classes jamais compreenderá. Sua matriz ideológica vem de Lassale, o teórico alemão que sonhava alcançar o socialismo abdicando da luta de classes.


 


O mesmo grau de ignorância teórica e preconceito de classe ocorre com a direita e a elite econômica em relação ao PT e a Lula em particular, na medida em que nunca conseguiram estabelecer a distinção entre radicalismo e sectarismo.


 


Durante a campanha de 2002, ao observar uma amostra explícita dessa confusão teórica que a direita patrocinava, eu escrevi um artigo sustentando que se as elites tivessem juízo apoiariam Lula incontinenti. Lula era o melhor candidato tanto para eles como, por paradoxal que possa parecer, também para os trabalhadores.


 


Para a elite econômica, porque Lula, gracas ao apoio do movimento social, tinha condições de retomar algum crescimento econômico, estabelecer relações comerciais vantajosas para o país e até mesmo concluir as “reformas” inconclusas de FHC. Tudo sem sobressaltos ou “bravatas” a la Collor.



E para os trabalhadores porque, apesar da falta de convicção do PT por um projeto nacional de desenvolvimento sustentado, a vitória de Lula representava, na correlação de forças de então, a única possibilidade de algum avanço social. Representava, ademais, simbolicamente, a derrota da política neoliberal e contribuía para isolar essa corrente de pensamento mundialmente. Desse ponto de vista tinha até mesmo caráter estratégico.


 


Lula se elegeu e cumpriu rigorosamente esse “script”. A política neoliberal foi parcialmente interrompida, os trabalhadores experimentaram alguma melhoria salarial, as camadas mais pobres viram a rede de políticas compensatórias se expandir e a elite econômica nunca ganhou tanto dinheiro. Sem surpresas.


 


Por que, então, essa elite nao tolera Lula, a ponto de ir “pro tudo ou nada” com o seu “cansei”? Talvez só o preconceito de classes nao seja suficiente para explicar, embora seja o principal. Há outros fatores subjacentes, como a percepção de que um trabalhador de precária instrução formal pode governar melhor do que eles, o que os tornaria dispensáveis. Ademais, essa “mania” da polícia federal em prender do meliante comum até gente famosa, incluindo as madames de boutique de luxo, não deve agradar muito a uma camada social acostumada a agir sob o manto da mais absoluta impunidade. Era melhor na era FHC quando cadeia era só para pobre e a federal não saía do quartel.



Isso talvez nos ajude a compreender o “cansei”, que de original não tem nada.



Por outro lado, eu e milhões de brasileiros efetivamente estamos cansados de esperar por mudanças mais profundas, às quais movimentos como esse tentam impedir a qualquer custo. Por isso nós também devemos organizar uma passeata com o sugestivo título de “cansei de chiliques”.

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