“Ho Lucy!”

Contrastes de gerações

Em ritmo de comédia-dramática, jovem cineasta japonesa Atsuko Hirayanagi desmonta preconceitos contra as mulheres de meia idade.

Há uma delimitação de tempo e idade neste “Oh Lucy”. Ambos se concentram em Setsuko Kawashima (Shinobu Terajima), funcionária de uma empresa em Tóquio. Tímida, introvertida, ela se move como se o peso da meia idade lhe impusesse a solidão e a ausência de companheiro. Através dela, a cineasta e roteirista, Atsuko Hirayanagi, discute sutilmente a situação da mulher à beira da terceira idade. Mas faz um válido contraste com sua jovem sobrinha Mika (Shioli Kutsuna). Cheia de vida, extrovertida, ela aproveita seu tempo para estudar inglês, namorar e sonhar.

Há, contudo, uma agradável relação entre elas. E, assim, Setsuko vê-se diante do jovem estadunidense John (Josh Hartnett). Descontraído, brincalhão, ele usa o humor para estabelecer uma agradável relação com seus alunos. O riso corre solto, quando ele lhe pede para usar a peruca loira, logo na primeira aula. Justo ela acostumada ao termino azul-marinho, os cabelos penteados para trás. Há surpresa, descontração, ele troca o nome dos alunos desde o início. Setsuko é agora Lucy. Este é o modo de Hirayanagi introduzir as mudanças pelas quais Setsuko passará a partir daí.

No entanto, há nuances nestas mudanças. Todas ocorrem ao ritmo dos contrastes entre as vidas da tia e da sobrinha. Esta, sem querer, acaba provocando alterações inimagináveis na existência da recatada Lucy. Sem o explicitar em demoradas cenas, Hirayanagi mostra as diferenças de comportamento da mulher japonesa em duas gerações da mesma família. Da tradicional, presa aos costumes, sem muita ousadia, à atual que, moderna, solta, liberta dos rituais, vivencia a liberação feminina. E acabam por interagir de inesperada forma. Lucy, com isto, vê-se menos oprimida.

Setsuko e Mika se veem num estranho país

Estes contrastes são enfatizados ainda mais quando Lucy se vê enredada numa repentina paixão por John. Tão instantânea quanto sua decisão de entrar em férias. Ela e a irmã Ayako (Kaho Minami), com quem não se dá, acabam num balneário no sudeste da Califórnia com intenções tão opostas quanto surpreendentes. A comédia cede espaço, a partir daí, ao drama vivido por ambas. Hirayanagi mergulha-as num país, cuja propaganda lhes oferece o paraíso e se veem diante de frias pessoas em amplos espaços quase vazios, ruas e avenidas entregues aos automóveis.

Toda a imagem de John ditada pela paixão, a vivacidade, a cordialidade, cede lugar à do homem acuado pelas dívidas, sem tempo para dedicar-se sequer ao rápido encontro. O que acaba se impondo é a busca de Mika por Lucy e Ayako, sua mãe. Este é o lado dramático deste “Oh Lucy”. Hirayanagi trabalha nas sequências californianas com a capacidade de a jovem Mika superar as frustrações, optando por viver num ambiente diferente do seu, dotado de outros costumes. Quando ela e a tia vão à praia, já não têm John como referência. Ele é agora o passado.

Ao invés de mostrar Setsuko desmontada, em longas caminhadas pelas ruas ou fechada em seu apartamento, Hirayanagi mostra o quanto as imposições empresariais podem alcançá-la. Ela se vê depois de 42 anos de trabalho, portanto toda sua vida, desempregada. Há algo de cruel e ao mesmo tempo elucidativo sobre quanto os trabalhadores manuais e intelectuais japoneses gozam de certa estabilidade no emprego. Diferente do Brasil onde a “reforma trabalhista” do golpista Temer reescravizou os trabalhadores brasileiros, ao permitir que sejam demitidos pelos patrões por qualquer razão sem poderem se defender, pois a Justiça não os ampara.

Hirayanagi não descamba para o pessimismo

Interessante neste “Ho Lucy” é que Hirayanagi, ao invés de descambar para o pessimismo, prefere tratar dos rumos tomados pela tia, em situação pior em relação à jovem sobrinha. Setsuko em seu desencanto, de grande vazio na vida, não imagina reencontrar Komori (Koji Yakusho), de meia idade e seu colega no curso de inglês. É um modo de a cineasta dizer ao espectador através de imagens que, embora as opções amorosas possam ser enganosas, seu companheiro pode, de repente, estar mais próximo do que imagina. E, além disso, não ser piegas ou escapista.

Hirayanagi sabe lidar com o humor espontâneo brotado de situações inesperadas. O riso vem mais do ridículo, imposto aos personagens Setsuko e Komori, mas também da inexperiência de ambos, mesmo já na meia idade. E eles agem com total naturalidade. Mas é a construção dramática da diretora/roteirista que mostra o quanto as duas gerações de mulheres agem de formas opostas. Mika não vê razão alguma para o choro ou o lamento. Tem seus instantes de baixa, mas é jovem o bastante para superá-los e, assim, segue em frente. Setsuko, não, depende do acaso.

Em suma, seu filme é estruturado com delicadeza, sensibilidade, enfatizando o quanto a jovem Hirayanagi ainda crescerá na criação cinematográfica. Este “Ho Lucy” é a ampliação de seu curta metragem homônimo, de poucos minutos (2014), ampliado para os noventa e cinco deste longa-metragem de estreia (2017). Ela usa os apertados e os amplos espaços não para decorar os cenários, há sempre algo em ocorrência. É criativa, objetiva, não deixa de ser observadora, como se vê no tratamento dado aos contrastes entre gerações de mulheres de seu país. Não é pouco.

OH Lucy. (Oh Lucy) Comédia dramática. Japão/EUA. 2017. 95 minutos. Edição: Kate Myamoto. Música: Erik Friedlander. Fotografia: Paula Huidobro. Roteiro: Atsuko Hirayanagi/Boris Frumi. Direção: Atsuko Hirayanagi (Prêmio NHK Sundance 2017). Elenco: Shinobo Terafima, Shiola Kutsuma, Josh Hartnett, Kaho Minami, Koji Yakusho.

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