Losurdo e a luta de classes

A morte do filósofo italiano Domenico Losurdo na manhã do dia 28 de junho foi uma grande perda para o pensamento marxista-leninista. Um prejuízo acentuado pelo momento histórico. Vivemos um tempo de crise da ordem capitalista internacional comandada pelos Estados Unidos, que reclama uma reposta ideológica e política mais convincente por parte das forças progressistas.

Losurdo escreveu dezenas de livros e de sua vasta obra quero destacar “A luta de classes – uma história política e filosófica”, onde aborda de forma original e profunda um tema complexo que motiva controvérsias e interpretações muitas vezes equívocas da realidade.

O conceito vulgar de luta de classes, cultivado pelo pensamento dominante na sociedade e que orienta o chamado senso comum, não tem muito a ver com as ideias desenvolvidas por Marx e Engels e, posteriormente, por Lênin e outros pensadores marxistas.

Motor da história

No prefácio que escreveu em 1885 para a terceira edição alemã de “O 18 Brumário”, Friedrich Engels enfatizou a relevância do conceito de luta de classes para a teoria marxista observando: “foi precisamente Marx quem primeiro descobriu a grande lei do movimento da história, a lei segundo a qual todas as lutas históricas, quer se processem no terreno político, no religioso, no filosófico ou qualquer outro campo ideológico, são, na realidade, apenas a expressão mais ou menos clara das lutas entre classes sociais”.

Esta dimensão ampla do conceito não é percebida pelo senso comum, que concebe a luta de classes nos limites de um horizonte social bem mais estreito, reduzido à contradição entre capital e trabalho e ao plano econômico, desdenhando as batalhas políticas e ideológicas. A luta, na verdade, não se dá apenas entre as classes principais da sociedade, e no capitalismo não se resume à lógica binária do conflito capital/trabalho e tampouco compreende apenas a esfera econômica.

O livro de Losurdo, publicado no Brasil pela Boitempo em 2015, é esclarecedor a este respeito. Fundamentado numa exaustiva investigação, o autor revela o entrelaçamento, tanto no plano da teoria marxista quanto da prática política concreta, das batalhas pela emancipação das mulheres, pela igualdade social e contra preconceitos de todos os gêneros com a luta da classe trabalhadora em defesa dos direitos sociais e pelo socialismo. Sugere, com razão, que a rigor são diferentes formas das lutas de classes.

O mesmo se pode falar em relação à chamada questão nacional, particularmente a partir do século 20 e, ainda com mais razão, na atual conjuntura. Mao Tse Tung já assinalava que “a luta nacional é uma luta de classes”, embora envolva algo além da guerra multissecular entre capital e trabalho.

Lênin assinalou que o imperialismo é uma ordem capitalista imposta ao mundo pela aristocracia financeira internacional, a fração hegemônica do capital em nossa época. A luta das nações pela soberania em oposição ao imperialismo, que objetivamente vai contra o domínio da aristocracia financeira, é por definição uma luta de classes, embora não seja necessariamente uma luta direta entre capital e trabalho, visto que envolve o choque de interesses de diferentes classes.

Nas condições do século 21 e na América Latina em particular é visível a fusão entre a luta da classe trabalhadora com a luta das nações pela soberania e em oposição ao imperialismo. O golpe de 2016 no Brasil nos oferece mais uma lição a este respeito na medida em que consagra a aliança com a aristocracia financeira internacional e completa subordinação da burguesia e das classes dominantes brasileiras ao imperialismo.

Classes e nações

O golpe, que do ponto de vista marxista pode ser definido como um golpe do capital contra o trabalho, também ofendeu simultaneamente a soberania nacional e a democracia. A luta por um projeto de desenvolvimento nacional soberano é uma luta de classes que reclama maior protagonismo, consciência e liderança da classe trabalhadora, pois enfrenta objetivamente a oposição tanto das classes dominantes locais quanto dos EUA e outras potências capitalistas.

Configuração semelhante da luta de classes também se verifica noutros países do continente americano em que a orientação das burguesias nativas está sempre sintonizada com o “Consenso de Washington”. Conforme sugerem os comunistas chineses a verdade deve ser buscada nos fatos e estes sugerem, por aqui pelo menos desde 1964, que nossas classes dominantes não têm compromissos com um projeto nacional de desenvolvimento soberano, são um obstáculo nesta direção. Não é bom cultivar ilusões em relação a isto.

Losurdo nota que o pensamento marxista, neste terreno como em outros, não deve ser dado como plenamente definido e esgotado. O desenvolvimento das ideias de Marx e Engels compreendeu contradições e tropeços na abordagem do conceito da luta de classes e da luta nacional durante a juventude, quando os dois pensadores foram influenciados por preconceitos colonialistas (que superaram mais tarde) emanados da arrogância racista dominante entre os europeus perante os povos que já naquela época oprimiam e exploravam no além-mar.

Lênin, ao analisar o imperialismo que emergiu no último quartel do século 19 e não foi bem notado por Marx (que morreu em março de 1883), teve condições de enxergar melhor a relevância que as batalhas pelo direito à autodeterminação dos povos e nações adquiria para a luta de classes em todo o mundo a partir do século 20. Seu pensamento, como disse Ho Chi Minh, iluminou os caminhos da revolução na Ásia, num tempo em que o espírito revolucionário havia migrado da Europa para o Terceiro Mundo, e fez o marxismo romper as fronteiras do velho continente.

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