Homens, eu vos amava!

"A tentativa de colocar um sinal de igualdade entre o regime nazista e o "comunismo" e, particularmente, entre Stalin e Hitler é bastante antiga. Esse foi o grande argumento da cruzada anti-soviética e anticomunista no pós-II Guerra Mundial. Para construí-lo muita tinta foi gasta por intelectuais tidos como libertários, como George Orwell, e que mais tarde seriam desmascarados como assalariados do Departamento de Estado norte-americano".

 "Homens, eu vos amava! Velai!" Estas foram as últimas palavras escritas pelo comunista Júlio Fuchik no seu Testamento sob a forca. Era para a humanidade que voltava seus olhos quando a maior parte da Europa, mergulhada na escuridão do fascismo, conduzia seus melhores filhos e filhas para os cadafalsos e para os novos "muros dos federados". Foram, justamente, essas pessoas que mais se esforçaram e mais se sacrificaram para que a humanidade se libertasse de seu mais perigoso inimigo: o nazi-facismo.

Não tenhamos dúvidas, a vitória do nazismo teria significado a implantação de uma ditadura planetária que eliminaria e escravizaria – no sentido literal – povos inteiros, como os judeus, eslavos, ciganos e os povos não-brancos. Seria a consagração de políticas e de ideologias racistas, genocidas e anti-humanistas.

Se os comunistas foram, no interior de cada nação, vanguardas desta luta de dimensão histórico-universal, a um país em particular coube a honra de ter dado a maior contribuição para a derrota militar, política e ideológica do nazi-facismo: a União Soviética, comandada por Stalin. Dos 50 milhões de mortos da II Guerra Mundial 25 milhões eram soviético, dos quais 50% eram civis.

No entanto, nos últimos dias, quando se comemorava os 60 anos da vitória aliada* sobre a besta fera nazista, governos e personalidades de alguns países buscaram minimizar este fato e afirmar que os acontecimentos de abril-maio de 1945 apenas substituíram a dominação nazista pela dominação comunista em grande parte da Europa. O império soviético de Stálin substituiu a império nazista de Hitler. Duas faces de uma mesma moeda totalitária. A liberdade – ou libertação – somente teria sido alcançada quando da queda do muro de Berlin e a derrocada do bloco socialista europeu, comandada pela União Soviética.

Essa tentativa de colocar um sinal de igualdade entre o regime nazista e o "comunismo" e, particularmente, entre Stalin e Hitler é bastante antiga. Ambos seriam ditadores sanguinários, portadores de ideologias e construtores de Estados totalitários. Esse foi o grande argumento da cruzada anti-soviética e anticomunista no pós-II Guerra Mundial. Para construí-lo muita tinta foi gasta por intelectuais tidos como libertários, como George Orwell, e que mais tarde seriam desmascarados como assalariados do Departamento de Estado norte-americano.

Ao contrário do que afirmam os liberal-conservadores, Stalin e Hitler representavam projetos políticos e sociais radicalmente diferentes. O primeiro defendia – às vezes com métodos bárbaros – a construção de uma sociedade igualitária, sem explorado e exploradores. Não advogava, por exemplo, a superioridade de nenhuma raça e de nenhum povo e afirmava que o racismo não tinha base científica.

No seu último livro publicado no Brasil, Domenico Losurdo relembrou o fato de que, em fevereiro de 1942, no auge da ofensiva alemã e em meio de um processo de limpeza étnica nas zonas ocupadas de seu país, Stalin havia escrito: "Seria ridículo identificar a gangue hitlerista com o povo alemão, com o Estado alemão. As experiências da história demonstram que os Hitler vão e vêm, mas que o povo alemão, o Estado alemão, permanecem. A força do Exército Vermelho reside no fato de que ele não nutre e não pode nutrir nenhum ódio racial contra outros povos, nem mesmo contra o povo alemão". Quão longe estamos aqui das ideologias racistas e genocidas desposadas por Hitler e seus asseclas.

Concordo com a conclusão de Losurdo, para o qual os comunistas que desfilam anualmente sob o retrato de Stalin não estão defendendo os Gulags ou a justeza da "liquidação sistemática dos seus adversários", mas apenas reconhecendo que "com todos os seus horrores, o "stalinismo" é um capítulo do processo de emancipação que derrotou o terceiro Reich, impulsionou o processo de descolonização e a luta contra a barbárie do racismo anti-semita e anticamita".

*Artigo publicado, originalmente, na edição do 14 de maio de 2005 do Portal Vermelho.

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