O fundamentalismo católico

A Segunda Encíclica é um strip-tease da face oficial da Igreja que deseja impor seus dogmas a um Estado laico como o Brasil

A Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé – órgão do Vaticano responsável por manter a fé católica imune de qualquer erro doutrinal – “divulgou um documento esclarecedor sobre cinco questões, com orientações seguras para evitar e corrigir eventuais desvios teológicos”.



 
A Segunda Encíclica de Bento XVI versa sobre eclesiologia (doutrina da natureza e finalidade da Igreja), retomando o delírio de reiterar que a Igreja de Cristo “subsiste na Igreja Católica”, descerrando assim o manto de falsidade do seu propalado ecumenismo, que dizia: a Igreja de Cristo é a soma de todas as igrejas e comunidades eclesiásticas.


 



A encíclica referenda o dogma de que “a Igreja Católica é a verdadeira e única igreja de Cristo e que as igrejas protestantes não podem ser chamadas de igrejas, dado que não contemplam o sacerdócio e não adotam a eucaristia, que simboliza a comunhão com Cristo”.


 


 


Isto é, a encíclica apunhala as ex-igrejas irmãs, batendo firme no dito “relativismo eclesiástico”, quando afirma que a Igreja Católica é detentora do monopólio dos “elementos de santificação”. É arrogância demais da Santa Madre Igreja!


 


Perplexidade ou desânimo à parte, o metropolita Kirill, da Igreja Ortodoxa Russa, reagiu: “O princípio de unidade reivindicado pela Igreja Católica vale plenamente também para a Igreja Ortodoxa, que é herdeira direta da antiga igreja unida”. Domenico Maselli, presidente da Federação das Igrejas Evangélicas da Itália, disse: “É um grande passo para trás na relação da Igreja com as outras comunidades cristãs”. O bispo Christopher Epting, do Comitê de Relações Ecumênicas e Inter-religiosas da Igreja Episcopal dos Estados Unidos, declarou que “para nós, como anglicanos, não há novidade. Estamos nesse diálogo há 40 anos, mas seguimos discordando dessa posição”.


 


Some-se à Segunda Encíclica o decreto de Bento XVI, de 07.07.2007, que oficializa a missa “tridentina” (ordenada pelo papa Pio V, no século XVI), celebrada em latim, com o padre de costas para os fiéis, pontuando que tal ritual nunca foi suspenso. Anexo ao decreto, uma carta do papa aos bispos enfatiza que o Missal “é e permanece 'a forma normal' da Santa Missa”.


 


Importância do estudo do latim à parte, Bento XVI afaga setores católicos ultraconservadores, arautos do fundamentalismo religioso: Opus Dei e discípulos do bispo francês Marcel Lefebvre, excomungados por João Paulo II em 1988.


 


Tenho preguiça de escrever sobre coisas ridículas, mesmo quando relevantes. Contempla-me a análise do sociólogo Antônio Flávio Pierucci, renomado e respeitado professor estudioso das religiões, de quem socializo aqui trecho do artigo “A verdade verdadeira”: “Não bastassem a arrogância fundamentalista da 'Christian America' monoteísta do governo de George W. Bush e a truculência fundamentalista do monoteísmo intransigente dos aiatolás e talebãs, agora vamos ter pela frente, para completar, mais essa espécie do mesmo gênero: o fundamentalismo católico” (FSP, 15.1.2007).


 


Capitães-do-mato e leões-de-chácara do Vaticano, no Brasil e alhures, tentam minimizar as fissuras da Segunda Encíclica no diálogo ecumênico. Em vão, ela é um strip-tease da face oficial da Igreja que deseja impor seus dogmas a um Estado laico como o Brasil, legislando sobre os corpos das brasileiras, como se nossos corpos fossem propriedade privada dela. Ousamos lutar para não permitir tal desatino.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor