Lei do veneno é uma praga

O Projeto de Lei que tramita no Congresso Nacional propondo mudanças nas normas brasileiras sobre agrotóxicos representará, se aprovado, um retrocesso de umas quatro décadas na legislação que regula o setor. A “Lei do Veneno”, como já é conhecida, é de autoria da bancada ruralista e conta com total apoio dos evangélicos e outros grupos de parlamentares conservadores.

Aliás, o projeto que originou o processo (PL 6.299/02) é de autoria do então senador Blairo Maggi (PP-MT), que hoje ocupa o cargo de ministro da Agricultura do governo golpista de Michel Temer. É bom lembrar que Maggi é alvo da Operação Lava Jato e indiciado em vários crimes pelo Supremo Tribunal Federal (STF), mas continua solto, cumprindo seu papel de representante do agronegócio nos gabinetes do poder federal.

As novas normas anulam por completo a atual legislação do setor, que é de 1989 e, embora com deficiências, é considerada bastante satisfatória. Em verdade, a Lei 7.802, daquele ano, regulamentou as determinações da Constituição, aprovada na Assembleia Constituinte, após longos debates com todos os setores da sociedade brasileira.

Entretanto, essa nova lei só irá satisfazer dois setores da vida nacional e internacional. Em primeiro lugar, os grandes produtores de venenos, que recolocarão no mercado produtos hoje proibidos em muitas partes do mundo e terão mais facilidade de fazer publicidade e aumentar suas vendas.

Começa pelo fato de que os produtos aplicados nas lavouras deixarão de ser classificados como “agrotóxico”, passando a usar o nome de “defensivo fitossanitário”, inclusive nas suas embalagens. Um eufemismo, em verdade, pra não trazer à lembrança que estes produtos também são tóxicos pra seres humanos. Nessa categoria, o Ministério da Saúde coloca todos os pesticidas, não apenas os de uso na agricultura, o que inclui até os matadores de insetos de uso doméstico.

O controle da produção e comercialização desses venenos sairá das áreas de meio ambiente (Ibama) e saúde (Anvisa), ficando exclusivamente a cargo do Ministério da Agricultura. Serão, também, reduzidas as exigências na concessão de licenças de fabrico.

Em segundo lugar como beneficiários, vêm os ruralistas, os grandes aplicadores de venenos em lavouras. A eles, pouco importa se os solos estão sendo degradados, a fauna e a flora nativas eliminadas e o ser humano contaminado, com grande número de mortes. Querem é ver o lucro rápido, em lavouras extensivas, predatórias, com destaque às de soja, milho e cana-de-açúcar.

A médica-veterinário Cláudia Costa Saenger, que pesquisa a distribuição espacial da intoxicação por agrotóxicos agrícolas em seres humanos em Goiás, diz que o problema vem se agravando ano a ano. “Dados do Ministério da Saúde e do governo estadual revelam uma média anual de 195 casos de intoxicação, o que é coloca o estado como um dos maiores em notificações, quando comparado a outros estados pela proporção de litros de agrotóxicos/hectare”, afirma ela.

Ali, segundo Cláudia, enquanto a venda de agrotóxicos duplicou de 2007 a 2016, o número de vítimas deles mais do que triplicou, mesmo se levando em conta a quantidade de casos que não são notificados. Sem falar que em ocorrências de câncer, por exemplo, nem sempre a doença é relacionada à sua verdadeira causa.

A verdade é que, sob pretexto de insetos, muitas empresas ganham, desde sempre. Um exemplo disso foi o fumacê em relação ao combate à malária, na década de 40, com o produto Shelltox. Muita água correu embaixo da ponte até descobrirem que o fumacê era danoso à saúde humana.
Moral da história: muitas vezes o conhecimento científico necessário para atribuir nocividade ou não desses novos produtos não acompanha a inovações postas no mercado.

São incontáveis os setores da sociedade que têm se manifestado contra essa nova lei. Por exemplo, a respeitada Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), de São Paulo, divulgou uma longa nota técnica em que afirma que o Brasil está indo na contramão do resto do mundo ao flexibilizar as normas que regulam o uso de pesticidas.

Isso tudo significa que essa nova lei dos agrotóxicos é, ela própria, uma praga maior que se avizinha.

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