Um perna de pau na torcida

Nunca joguei futebol. Minha intimidade com a bola sempre foi pouca, quase nenhuma. Quando digo que nunca joguei, estou falando de jogar mesmo, com arte, com maestria. Correr atrás da bola era outra coisa, isso eu sempre fiz. Mas a desgraçada sempre me esnobou. Por mais que eu tentasse, por mais que me esforçasse, aquela esfera nunca me deu bola, se me permitem a infâmia do trocadilho.

Meus amigos de infância eram todos craques ou quase: Robson, Cleber, Lúcio Pires, Pilica, Banana, tantos e tantos. O destaque ficou por conta de Jorge Pinheiro, glória maior da nossa turma, que virou goleiro profissional e defendeu Ceará, Fortaleza, Náutico, e ainda hoje vive do futebol, como treinador. Eu, Robson e Jorge éramos amigos inseparáveis. Os dois bons de bola, e eu o perna de pau.

Mas não era deixado de lado, como outros. Não era o dono da bola, mas Robson, que era dos melhores e sempre escalava o time, não me deixava de fora. A amizade falava mais alto e lá ia eu para a ponta esquerda, mesmo não sendo canhoto. É que lá eu fazia menos estrago, atrapalhava menos. Se íamos para a quadra, jogava recuado. Magro, mal equilibrado nuns cambitos finos, tinha a canela dura. Aguentava porrada e sabia bater. Futebol mesmo, que é bom, nada. Por mais que eu me esforçasse, era um caso perdido. A bola, caprichosa, tomada pela soberba, era uma paixão não correspondida.

Não posso dizer, portanto, que sou daqueles apaixonados por futebol. Já fui. Comecei a torcer pelo Ceará ainda menino, na sequência do tetracampeonato de 75 a 78. Era fã de Artur, Edmar, Jangada, Amilton Melo, Dimas, Pedro Basílio, Chinês e Tiquinho, entre tantos craques daquele time de ouro.

Com o Flamengo foi diferente. Virei rubro-negro no dia da derrota dos 5 a 2 para o Grêmio, em 1978. Derrota compensada largamente pela fase de ouro que se sucedeu, com Zico, Adílio, Andrade, Adão, Cantarele, Raul, Toninho, Leandro, Carpegiani, tantos, tantos mais. Comecei ali o tortuoso caminho de alegria e sofrimento que trilho até hoje.

A relação com o Guarany de Sobral foi mais diferente ainda. Fui levado pelos filhos, João Pedro e Diogo, nascidos em Sobral, a torcer pelo Cacique do Vale. Com eles vi o Guarany ser Campeão Brasileiro da Série D, o único time do Ceará a ostentar o título de campeão nacional. “Mas é a série D”, dirão alguns. Que importa a série? Importa é que fomos campeões e eu estava na festa no “Juncão”.

Nessa pausa do Brasileirão de 2018 meus times estão nos extremos da tabela de classificação, o Flamengo em uma ponta e o Vovô na outra. O Guarany vai avançando, mais ou menos, nas divisões inferiores do cearense. Em menor grau do que antes, ainda sofro e vibro, rio e choro.
E tem, daqui a pouco, a seleção em campo. Uma das primeiras lembranças que tenho, não sei se minha mesma ou adquirida do tanto de vezes que meu pai e minha mãe falaram, é de, aos quatro anos de idade, ter acompanhado a final da Copa na casa de Juraci e Rosinha, vizinhos, as casas geminadas. Pelo rádio ainda, penso. Quando o Brasil foi campeão, quando findou o jogo, estávamos abraçados, chorando, comemorando, eu e meu irmão mais velho, embaixo da mesa da cozinha dos vizinhos.

Mas agora, como torcer pela seleção brasileira? Agora que sabemos dos escândalos da CBF? Agora que sabemos que o futebol, para além do romantismo, é um grande negócio do capitalismo? Como torcer para uma seleção que tem um sonegador como melhor jogador? Como vestir a camisa amarela que serviu a um bando de idiotas para cantar o Hino Nacional e festejar o golpe contra a Presidenta da República? Como? Sinceramente, não sei. Não sei sequer a escalação do time, nem conheço direito os jogadores.

O que sei é que domingo, 17 de junho de 2018, o Brasil vai jogar, a canarinha vai entrar em campo. Ganhei uma camisa de brinde. Está lá, guardada em casa, a me fazer lembrar os patos patetas que ajudaram a mergulhar o Brasil no abismo.

O mais provável mesmo é que, quando a seleção entrar em campo, o menino magrelo e feio reapareça, vindo lá das profundezas do meu passado, a correr insistentemente atrás da ingrata bola que fugia dele em desespero. O mais provável é que eu vá colocar a cerveja pra gelar e roer as unhas abraçado aos meus filhos, torcendo desesperadamente pela vitória do Brasil, torcendo para que Clarice veja o Brasil campeão. Vou torcer, mesmo sem saber quem são os jogadores, pois nunca passei disso mesmo, um torcedor perna de pau sofrendo pela amarelinha.

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