Marx, seus 200 anos e seu inevitável socialismo (2.ª pancada)

Prometemos uma segunda volta da prosa iniciada no dia 22 de maio aqui neste Vermelho em torno da inevitabilidade do socialismo em Marx, e aqui mais uma vez estamos. Peço a quem não participou da primeira rodada, ou a quem queira retomar o fio do novelo, que acesse a primeira parte deste nosso colóquio.

Dissemos lá na "primeira porrada" que a contestação ao inevitável socialismo defendido pelo nosso amigo Carlos está intimamente relacionada à contestação da classe operária como sujeito histórico ontologicamente revolucionário. Por palavras mais chãs, para os possibilistas (aqueles que "crêem" apenas na possibilidade do socialismo vir quem sabe deus a vingar no planeta), os trabalhadores produtivos, ou seja, os que produzem mais-valia, não são necessariamente aqueles a quem Marx chamou de "os coveiros do capitalismo". Tudo dependeria, segundo possibilistas e/ou evitabilistas, de estarem os trabalhadores convencidos disso, ou, quem sabe, de acreditarem na possibilidade.

Enquanto esse reles digitador matutava na melhor maneira de responder a essa encrenca, estourou a chamada "greve dos caminhoneiros" – que muitos chamaram, não sem uma parcela de razão, de locaute, por conta do forte viés patronal que ganhou o movimento. E nada como a paralisação de um segmento econômico estratégico para falar sobre a inevitabilidade do socialismo e sobre o duplo caráter da classe chamada a implantá-lo – pensou este que aqui vos enfara.

A paralisação dos transportes de carga começou por conta da nefasta política de preços que o golpista Temer e seu Parente do PSDB aplicaram na tão querida quanto vilipendiada Petrobras. O movimento ganha foros de legitimidade por conta dos caminhoneiros autônomos, mas como é também abraçado pelas grandes transportadoras, que hegemonizam a coisa toda e lhe dão a linha política, ficou muita gente de pé atrás. Ao fim e ao cabo, ficamos todos sabendo que o presidente da associação líder dos caminhoneiros é pra lá de tucano: além de filiado ao PSDB, faz funcionar a dita associação na sede da confederação patronal dos transportes.

O que o parágrafo acima nos ensina? Justamente que a classe trabalhadora, ou o proletariado, tem duplo caráter, ou duas dimensões: a objetiva e a subjetiva. Como? Os caminhoneiros, pela posição que ocupam na cadeia de valor da produção capitalista brasileira, ao interromperem o transporte de mercadorias, levaram o conjunto do sistema a um iminente colapso, ao tempo em que o fizeram imantados por uma perspectiva que, olhada a partir dos interesses da classe à qual pertencem, a dos trabalhadores, era concretamente contrária a seus interesses políticos imediatos e futuros.

– Traduci per me – solicitará um atento leitor. Tentaremos atende-lo.

Objetivamente, independente de sua vontade ou consciência, os trabalhadores (caminhoneiros, metalúrgicos, petroleiros, etc.) ocupam uma posição estratégica no processo produtivo: a de produtores de mais-valor, ou mais valia, ou sobre valor. Mesmo aquele setor da classe que não produz valor, como o funcionalismo público, por exemplo, colaboram em manter ativos os fluxos do sistema, sem o que o lucro não se realiza como deve. Está nas mãos dos trabalhadores, portanto, a produção da riqueza e a reprodução do capital. Eles manejam os meios de produção de forma a gerar riquezas, mas não são proprietários destes meios. Os donos destes meios, os patrões, se apropriam da riqueza socialmente gerada e a concentram em suas bolsas e contas-correntes. Em outros termos, o capitalista 'expropria' o trabalhador por meio de trabalho não-pago, a mais-valia; busca ampliar essa 'expropriação' aumentando a jornada, intensificando o ritmo da produção, achatando salários, cortando direitos, estabelecendo, por meio de seus representantes no máquina de Estado, políticas – como a de preços dos combustíveis, por exemplo, que alegra sobremodo o capital estrangeiro que nos domina, mas que provoca enormes perdas para trabalhadores e mesmo empresários nacionais.

Essa relação de classes em torno da propriedade dos meios de produção – relação objetiva, base da lógica do capitalismo – gera uma contradição também incontornável, objetiva: produz-se mercadorias em quantidade superior à capacidade de consumo, o que gera crise, demissões, mais achatamento salarial, e migração de recursos para o sistema financeiro, que nada produz a não ser capital fictício. È desse modo que se desenrola, objetivamente, inevitavelmente, necessariamente, a luta entre as classes no capitalismo, colocando em oposição também inevitável, necessária, patrões e empregados, empresários e trabalhadores, donos dos meios de produção e expropriados dos frutos de seu trabalho, exploradores e explorados, burgueses e proletários.

Essas condições e contradições objetivas do capitalismo determinam a dimensão, o caráter objetivo da classe: a de coveira do sistema. Porque ocupa objetivamente a posição que ocupa no processo produtivo, está em suas mãos, queira ou não, a missão histórica de por fim ao sistema e inaugurar um novo, que necessariamente é o antípoda, a negação do capitalismo: o socialismo – que, por sua vez, é um sistema de transição para um outro sistema, o comunismo – negação da negação, síntese resultante da contradição antagônica do regime de classes que há milênios impera no mundo.

Chamo a atenção do preclaro leitor e da digníssima leitora para o uso abusivo das palavras "objetivo", "necessário" e suas variações.

Tudo que é objetivo ocorre na natureza e na sociedade independentemente da vontade de quem quer que seja. Sua ocorrência, seu movimento, sua transformação, é determinado por leis também objetivas, leis que refletem a lógica de suas contradições, contradições que determinam uma tendência, um sentido do movimento. O que resulta deste movimento é resultado necessário, que atende a uma necessidade nascida das forças contraditórias que atuam no interior do fenômeno natural ou social. Aquilo que é necessário é inevitável. Há a necessidade natural, própria do mundo natural; há a necessidade histórica, própria das contradições sociais objetivas.

O socialismo é uma necessidade histórica gerada pelas contradições objetivas e inevitáveis do sistema capitalista. E qual é a contradição central do capitalismo? Produção social versus apropriação privada, que se traduz no antagonismo entre trabalho e capital, que se expressa, querendo ou não as pessoas, em luta entre a classe dos proprietários dos meios de produção e a classe dos desprovidos desta propriedade. Quando as relações de produção não comportam mais o desenvolvimento das forças produtivas, gera uma contradição antagônica, que gera, por sua vez, uma necessidade de superação lógica e objetiva e, por fim, engendra o sujeito histórico que conduzirá essa superação.

Disseram nossos amigos Carlos e Frederico, há 150 anos atrás:

"A condição essencial para a existência e para a dominação da classe burguesa é a acumulação da riqueza nas mãos de privados, a formação e multiplicação do capital; a condição do capital é o trabalho assalariado. O trabalho assalariado repousa exclusivamente na concorrência entre os operários. O progresso da indústria, de que a burguesia é portadora, involuntária e sem resistência, coloca no lugar do isolamento dos operários pela concorrência a sua união revolucionária pela associação. Com o desenvolvimento da grande indústria é retirada debaixo dos pés da burguesia a própria base sobre que ela produz e se apropria dos produtos. Ela produz, antes do mais, o seu próprio coveiro. O seu declínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis".

Nas reflexões até aqui feitas e neste trechinho do Manifesto do Partido Comunista temos já as pistas do caráter subjetivo da classe trabalhadora. Mas aí vou ter que fazer uma terceira volta, que essa prosa ficou de novo comprida.

Se avexe não, que eu volto. Té já.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor