Allende e 2013: Relembrar para não errar de novo

Um dos episódios mais emblemáticos da história recente de nosso continente foi a ascensão (e queda) de Salvador Allende, em 1970 no Chile, o primeiro marxista a chegar ao poder através do voto popular.

Com uma pauta avançada, o então presidente chileno fez de seu governo um marco para a luta operária, estatizando as minas de cobre e trazendo de volta para o controle nacional o carvão e o telefone, duas áreas totalmente estratégicas para o desenvolvimento de qualquer nação. Além de tudo isso, fez a tão sonhada reforma agrária, dando terra a quem nunca teve nada.

Obviamente, um governo deste tipo, de claro viés socialista, não poderia durar muito tempo, ainda mais no quintal dos Estados Unidos (EUA). Após patrocinar um bloqueio econômico informal (1971-1973), similar ao embargo feito a Cuba, os EUA começaram a sabotar (literalmente) o governo legitimamente eleito pelo povo chileno.

A saída, naquele caso, foi financiar, através da CIA, uma grande “greve” dos empresários de caminhões, comandada por Leon Vilarín, um dos líderes do grupo paramilitar neofacista Patria y Libertad. Esta “greve”, após planejada por cerca de um ano, iniciou-se em setembro de 1972.

O objetivo de derrubada do presidente Allende era tão claro, que esta irresponsável paralisação impediu até mesmo que a safra agrícola do país fosse plantada, situação que perdurou até o golpe de estado propriamente dito, em 1973 e levou anos para ser superada.

Conto esta história, pouco divulgada inclusive, para comparar com a situação atual de nosso país: temos uma paralisação das estradas e vias de acesso das principais cidades do país impedindo a chegada de combustíveis e alimentos realizada pelos mesmos que fizeram o que fizeram no Chile em 1973, o empresariado dos transportes.

Realmente é curioso observar “greve” com apoio patronal e cobertura global, seria cómico se não fosse trágico! Pedem diminuição do valor do diesel, mas não colocam em pauta o real motivo dos valores absurdos dos derivados de petróleo, que é a nefasta política econômica do governo Temer, tendo no comando da Petrobrás o tucano Pedro Parente, que não contente em ter levado o Brasil para o apagão energético (2000), conduz o país para a maior greve empresarial do setor de transportes da história! Por que não está em pauta a mudança de rumos do governo golpista? Ou a cabeça de Parente? Ou a antecipação das eleições de outubro? Esta são curiosas questões que precisam ser observadas…

Entretanto, mesmo sabendo disso, é preciso enxergar além do que parece. Um dos motivos da derrocada dos regimes do campo popular democrático em nosso continente, perpassa necessariamente pela falta de diálogo com parte do empresariado nacional, deixando-o a mercê dos interesses escusos de Miami.

Um exemplo clássico disso, são as manifestações de junho de 2013, originalmente organizadas contra o aumento de vinte centavos nas frotas de ônibus paulistanos e que acabou tomando proporções gigantescas.

Agora, cinco anos depois, é perfeitamente possível afirmar que um dos motivos das jornadas de 2013 virarem o que viraram foi a falta de leitura da esquerda, então no poder, da necessidade de disputar a narrativa! O tempo perdido até esta compreensão foi decisivo, não à toa brotaram daí grupelhos protofascistas tipo MBL e Vem pra Rua.

Hoje, em um cenário parecido, com uma história repetida, com os mesmos atores, a esquerda vive um dilema: apoiar ou não apoiar o lock out patronal nas estradas do país?

Penso que a saída não pode ser nem oito e nem oitenta, é preciso disputar a narrativa, não se pode deixar o fascismo tomar conta e conduzir as ações, até porque já vimos no Chile em 1973 e nas jornadas de 2013 onde isso pode ir parar, em um cenário onde a negação da política está na moda, vamos cair no canto da sereia e negá-la?

Obviamente que setores irresponsáveis da extrema esquerda (que nem o golpe de 2016 contra a presidenta Dilma reconhecem) estão empolvorosos, saudando o que chamam de “contexto pré-revolucionário”. Não sei se é delírio ou mau-caratismo, mas que não tem nada a ver com a realidade eu tenho certeza.

Alguns atacaram as notas da CUT e CTB em defesa das paralisações da frota de caminhões no país, mas penso que, se a ideia das centrais for disputar (de fato) os rumos da narrativa em questão, vale sim a pena, sendo importante que todos os movimentos sociais se somem nesta tentativa de dirigir os rumos desta “greve”, afinal não importa quem fez a faísca, importa que está pegando fogo, vamos ficar olhando queimar tudo ou tentar conter o fogaréu? Este é o cerne da questão!

Já erramos uma vez subestimando a força do empresariado no Chile em 1973, erramos de novo em 2013 demorando a fazer a leitura do que se passava, vamos errar de novo em 2018? Pela terceira vez em menos de 50 anos?

Ao menos dará para pedir música no programa global de domingo né? Por que de resto, sei não…

Até a próxima.

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