Crimes da ditadura reeditados

Os fatos agora revelados sobre a participação do general Ernesto Geisel, quando ditador de plantão no regime militar, em assassinatos e outros atos terroristas, têm coincidências históricas assustadoras. O cerco feito a Juscelino Kubitschek, por exemplo, se parece demais com o que se fez a Lula no processo ainda em curso.

Na década de 1970, para as elites dominantes era preciso evitar que lideranças democráticas sufocadas pela ditadura ressurgissem com força. A lupa estava em Juscelino Kubitschek, que passou a ser ainda mais cercado, até sua morte, em agosto de 1976. Pesquisas indicavam que ele venceria qualquer eleição de que viesse a participar.

Naquele período da história do Brasil, os militares detinham o poder e ditavam as regras, com apoio total da grande mídia. Agora tem sido grande também a contribuição de setores logísticos do Judiciário, que cumprem bem o papel, com respaldo da mesma mídia. Mas o objetivo é o mesmo: impedir que setores populares cheguem ao poder.

JK foi preso mais de uma vez, teve seus direitos políticos cassados, era vigiado onde quer que fosse, e até seu ingresso na Academia Brasileira de Letras (ABL) foi bloqueado. A cúpula do regime via na ABL um espaço em que o ex-presidente ficaria em evidência e usou todos os recursos de que dispunha, inclusive financeiros, pra impedir que isso ocorresse.

Assassinato 

No início da noite do dia 7 de agosto de 1976 (15 dias antes da sua morte), começou a chegar amigos à Fazendinha JK, em Luziânia (GO), onde o ex-presidente se refugiava e não tinha telefone. Mas, pra surpresa e alegria geral, ele estava são e salvo, vivinho da silva. É que os visitantes haviam ouvido no rádio que ele havia morrido em acidente de carro ali, no interior de Goiás.

Embora recolhido, JK era a maior ameaça à vista. E tinha gente vazando coisas, cantando a pedra.

Dias depois, em 20 de agosto, ele foi de avião de Brasília a São Paulo, onde se hospedou na Casa da Manchete, com o amigo Adolpho Bloch, pra no dia seguinte fazer palestra no Clube Nacional e participar de um jantar com lideranças político-econômicas, entre as quais ex-governadores de vários estados.

Na manhã seguinte, tomou café na Manchete e, de lá, foi com Adhemar de Barros Filho à casa deste, pra rever afilhados em visita rápida, mas acabou seduzido pelo cheiro da macarronada e ficou pro almoço.

Tinha no bolso a passagem de volta a Brasília naquele dia, mas, de modo bastante confidencial, iria mudar os planos, em combinação com dona Sarah, sua mulher, e o motorista carioca Geraldo Ribeiro. Iria de carro ao Rio de Janeiro, onde teria compromissos particulares.

Tudo correu bem em solo paulistano e até o km 165 da Via Dutra, na altura de Resende (RJ). Ali, o Chevrolet Opala 1970, cinza-metálico, de Geraldo, com JK no banco de carona, se desgovernou e foi pra pista contrária. Colhido de frente pela carreta Scania-Vabis placa ZR-0938 (de Orleans-SC), virou um amontado de ferros, com os corpos de JK e Geraldo no meio.

O ex-presidente morreu no ato, mas o motorista Geraldo apagou antes de perder o controle do carro. A perícia da Polícia Rodoviária dizia que o Opala teria sido abalroado por trás pelo ônibus prefixo 3148, da Viação Cometa, que ia no mesmo sentido. Porém, seu condutor, Josias Nunes de Oliveira, sempre negou qualquer batida — ele diz que viu o acidente à frente e parou pra dar socorro, fato confirmado duas vezes pela Justiça local.

— “Se eu fosse fraco, teria feito bobagem. É duro pagar sem dever.”, disse Josias em entrevista publicada por Ronaldo Costa Couto, no seu livro “O Essencial de JK” (Editora Planeta, São Paulo, 2013).

O fato é que uma informação de que havia uma marca de bala na testa do motorista nunca foi confirmada. De todo jeito, no momento atual, muita gente, inclusive de escala superior do Judiciário, cantou a pedra da prisão do ex-presidente Lula. Os personagens mudam, mas os interesses são os mesmos do golpe de 1964 e da ditadura militar, com Geisel ou sem Geisel.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor