Marx, seus 200 anos e seu inevitável socialismo (1ª porrada)

Peço licença ao leitor e à leitora que me dão a honra de sua atenção para falar de um amigo querido: o Carlos Marques. Carlos completaria 200 anos neste 2018 que nos assombra. No mundo inteiro, miles celebram seu nome.

Conheci Carlos por intermédio de um outro amigo, o José, que escreveu uns livros sobre as ideias dele. José também já não se encontra entre nós. Depois que deu um couro de criar bicho num tal de Adolfo lá pelas bandas da Europa, ainda conduziu sua pátria por quase uma década e foi-se.

Acaba que, depois de morto, ficou bem mal falado. Muita calúnia, sabe? Um tal de Nikita disse horrores a seu respeito e os inimigos do Zé trataram de aumentar cada ponto e espalhar lixo sobre seu túmulo. Uma covardia.

Chamo Marx de Carlos e Stálin de José – como o leitor e a leitora, sagazes que são, já manjaram – porque me considero um típico brasileiro, e os brasileiros costumam abrasileirar tudo e todos que lhe dão no afeto e na inteligência.

Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir Lênin e Joseph Stálin são quatro estrangeiros que se tornaram parte da constituição intelectual e moral de gerações e gerações de conterrâneos deste que aqui tecla essa já comprida lenga-lenga. Carlos, Frederico, Vladimir e José tornaram-se referências no Brasil a partir dos anos 20 do século passado e logo foram reconhecidos como clássicos do pensamento revolucionário que move todo o revolucionário digno deste título. E o que os faz clássicos? Enunciados que você lê e diz: – Bingo! É isso. Tipo "na natureza, nada se cria ou se destrói; tudo se transforma", manja? Ou, "a história de toda sociedade até aqui é a história da luta de classes".

Tenho acompanhado as homenagens ao natalício de Carlos. Esses dias mesmo, assisti a uma mesa de seminário sobre o legado dele para o pensamento social. Nesta mesa, como em muitas oportunidades, ouvi loas ao gênio do alemão. As loas, porém, vinham acompanhadas, via de regra, de muitos 'mas'.

A maioria das conjunções adversativas que coalham as críticas ao Velho introduzem lamentos ao fato de ele não ter… previsto (?!) certas coisas. Well… nunca soube que o cidadão tivesse pendores cabalísticos ou quiromantes… de modo que ponho esse chororô na conta do suposto charme que alguns intelectuais se vêem obrigados a exibir para não serem taxados de acríticos ou dogmáticos por seus pares quando o assunto é Marx. Afinal, encontrar "inconsistências" na obra do cara é o hit do momento acadêmico mundial.

Mas não são as acusações de incompetência profética que me fazem mossa. O problema é quando o cabra analisa a obra de Marx à luz das experiências socialistas até aqui vividas, e me sai com a frase "Não creio na inevitabilidade do Socialismo". Aí, cruzo os braços e me pergunto: E Carlos agora é padre, é? Cristo redivivo? Guru de seita exotérica? Que papo é esse de "acreditar"? O sujeito faz ciência e o cidadão vem com papo de crença?

Aí o elemento responde que o idealista, no caso, é o "Jovem Marx", presa de um determinismo próprio de uma modernidade marcada pelo otimismo e pela crença no progresso, etc e mais etecéteras.

Essa conversa de por em dúvida a inevitabilidade do socialismo é piada velha. Vincula-se a uma outra anedota pronta: a classe operária não cumpre mais papel central no processo transformador. Por outras palavras: não se pode afirmar que a referida classe seja "naturalmente", necessariamente, ontologicamente… revolucionária.

– Querem a prova? – desafiarão os marxólogos – Basta observar a história:

Trabalhadores apoiaram o nazi-fascismo na Europa. Eram compostos majoritariamente por camponeses os exércitos revolucionários da Rússia de 1917, da China de 1949, do Vietnã e da Coreia dos anos de 1950. A Revolução Cubana foi conduzida, não pelo partido comunista, tampouco por operários, mas por um movimento armado foquista, e as experiências radicais da América Latina se deram e se dão pela via institucional, conduzidas por forças não-comunistas. No século XXI, o protagonismo está com os movimentos identitários e com as massas pauperizadas, excluídas, não mais com os explorados. A classe operária aburguesou-se e quer café da manhã, almoço, janta, casa própria, carro do ano, celular e tela plana. Os sindicatos, por conta disso, abraçaram o pragmatismo e buscam resultados econômicos que melhorem a vida de seus associados. E tome-lhe etc e mais etcéteras.

Quem apresenta os argumentos acima, desconsidera a diferença entre a dimensão objetiva e subjetiva da classe. A primeira diz respeito ao ser, definido, no caso, pela posição objetiva que a classe ocupa no processo produtivo. A segunda relaciona-se ao pensar, à consciência, algo socialmente construído e, em última instância, determinado pelo ser, pela dimensão objetiva, mas que depende de ação de fora para dentro de elemento consciente em diálogo com a realidade objetiva. Por outro lado, esquece que o inevitável tem a ver com a necessidade gerada pela contradição, também objetiva, inevitável, entre forças dadas – sejam elas naturais, ou sociais. Ignora também a diferença entre 'composição de classe' e 'conteúdo de classe' de uma revolução.

Mas tudo isso, tratemos melhor numa segunda volta desta prosa. Esse assunto, dadas as condições de tempo, espaço e paciência do leitor, reclama necessariamente um artigo em duas partes.

Até mais ver.

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