Réquiem para a democracia brasileira

Para quem ainda acreditava que mesmo após o golpe de 2016, o Brasil ainda vivia sob a “normalidade democrática”, com o “pleno funcionamento das instituições”, a sessão do STF (Supremo Tribunal Federal) ocorrida no dia 4 de abril último, para julgar o pedido de habeas corpus apresentado pela defesa do ex-presidente Lula, representou o fim das ilusões. 

Os fatos ali ocorridos não deixaram dúvidas de que a democracia brasileira ficou reduzida a um mero simulacro, uma caricatura de si mesma.

Esta sessão da Suprema Corte brasileira ficará realmente na história, não apenas por ter negado o pedido de habeas corpus e possibilitar o encarceramento de um réu sem que se tenham esgotadas todas as possibilidades de recurso ferindo assim preceitos constitucionais basilares, mas também por escancarar , por meio do comportamento de alguns de seus membros, a que ponto princípios como imparcialidade e isenção foram ignorados, evidenciando assim a fragilidade de nossas instituições republicanas.

A encenação bizarra na qual não faltaram cenas absurdas como aquela em que uma ministra admite com todas as letras e em rede nacional, que a decisão que ali se delineava era inconstitucional , mas que, não obstante tal inconstitucionalidade, votava com o seu colegiado. Ora, em qualquer país minimamente civilizado seria absolutamente inaceitável que uma solidariedade corporativa fosse colocada acima da Constituição, com o agravante de tal fato ter acontecido na mais alta corte do país. Mas, ao que parece, esse atentado à nossa Carta Magna, mais um, entre tantos já sofridos nos últimos tempos, não vem ao caso.

Duas questões devem ser destacadas nesse lamentável episódio . A primeira diz respeito a constatação de que não se tratou, como pensam alguns, de uma “rendição” do STF, ou de um “acovardamento” diante das hordas de facínoras que ganharam as redes sociais vociferando palavras de ódio, ainda que revestidas por um discurso moralista e que tiveram o seu momento catártico com o pronunciamento de um general. Este, seguindo um roteiro que parecia ter saído das catacumbas do tempo e remontando aos dias daquele triste 1964, desferiu ameaças de uma intervenção protagonizada pela caserna caso o resultado daquela votação na Suprema Corte não fosse aquele que os “cidadãos de bem”, desejavam, ou seja, a negação do pedido de habeas corpus. Em que pese o absurdo de atitudes intimidativas desse tipo, o que se viu, de fato, não foi um STF amedrontado, mas alinhado, na pessoa de sua presidente, com o roteiro previamente orquestrado pela mídia golpista (sempre ela!) e pelas demais forças obscurantistas que se apropriaram do país.

A segunda questão é bem mais grave, tendo em vista o que representou a decisão de negar o pedido de habeas corpus ao ex-presidente Lula e seus possíveis desdobramentos. Enganam-se os que pensam que as consequências da decisão do STF estejam circunscritas a uma derrota infringida a Lula e ao campo político progressista. Os que comemoraram a prisão do ex-presidente como quem comemora a vitória de seu time ao final de um campeonato provavelmente não sabem que estavam a comemorar o fim de nossa democracia; ou talvez, para essas pessoas, isso, o fim da democracia não faça mesmo a menor diferença; não venha ao caso.

A decisão do STF, da forma como se deu, representa a quebra definitiva da confiabilidade em uma instância que deveria ser garantidora dos princípios democráticos pela rigorosa observância da Constituição e da jurisprudência. Quando esta confiança é quebrada pelo emprego de casuísmos grosseiros, instala-se a insegurança institucional gerando um clima de instabilidade onde é impossível prosperar a verdadeira democracia, o que só pode interessar aos que querem impor ao Brasil uma democracia de fachada, cuja única função é a de legitimar interesses obscuros diante da opinião pública nacional e internacional. O risco porém, é grande. Este simulacro de democracia não será capaz de conter a ofensiva dos fascistas, fardados ou não, que sem dúvida ficaram atiçados com mais essa vitória que lhes foi presenteada. Assim, estimulados pelo aval que membros do judiciário tem concedido a seus intentos, não terão qualquer constrangimento em sair das sombras e sepultar qualquer resquício democrático.

É preciso então que todos e todas que defendemos a verdadeira democracia estejamos , mais do que nunca, unificados na resistência democrática para enfrentar os grandes desafios que se apresentam e não sucumbir às tentativas de intimidação , às provocações que certamente se avolumarão nesses dias tensos.

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