O tuíte do general é um truco à democracia e um pedido de socorro

Hoje é o dia mais importante do Brasil nos últimos 30 anos. O STF julgará se a Constituição Cidadã de 1988 morreu ou não. Se morreu, com ela deverá ser flexibilizada a cláusula pétrea que garante a presunção de inocência até o trânsito em julgado; se não morreu, essa especificidade deverá ser renovada, única de um país único que optou por construir uma civilização partindo do subdesenvolvimento e de décadas de ditadura.

 

O cenário é favorável às forças democráticas. O descenso nas ruas dos manifestantes favoráveis ao retorno do Brasil ao passado foi suplantado pela ascensão da unidade em torno de um novo projeto popular e da defesa das condições únicas que definem o nosso regime constitucional.

Concretamente, estes polos estão organizados em torno do destino do presidente Lula, pelo seu encarceramento, no primeiro polo, ou liberdade, no segundo. Abstratamente, estes grupos dividem-se em duas propostas de sociedade: o fascismo; e a democracia. Muitas nuances e diferenças separam a homogeneidade destes dois grandes grupos, mas as tendências maiores são essas.

E aí vem o tuíte do general. Na véspera do julgamento, em um texto curtíssimo, deixa uma clara dubiedade cujo objetivo é comunicar para fora da corporação as duas ideias: que a linha-dura tornou-se tendência majoritária nas FFAA, derrotando as forças legalistas, portanto as ações da corporação, daqui para frente, serão pautadas pelo crescimento de sua intervenção na sociedade e não mais pela busca constante de limites para isso, como expressa a Constituição Cidadã; que as Forças Armadas não estão mais preocupadas com seu papel Constitucional, e sim suas "missões institucionais", ou seja, que elas adquiriam corpo e pensamento ativo próprio para além de sua atribuição reativa no caso da segurança pública, tal como expressamente prevê a Constituição.

Esse processo é um acúmulo histórico de erros que a esquerda institucional produziu: desde o chamamento das FFAA ao laboratório de repressão popular nas missões de estabilização do Haiti; o enfrentamento equivocado e quase desastroso das manifestações de junho de 2013; a ingênua utilização do instrumento da Garantia da Lei e da Ordem para organizar praticamente todo grande evento realizado no Brasil desde 2001; e, por fim, a imposição da lei antiterrorismo para a realização da Copa do Mundo e das Olimpíadas, mesmo que em uma versão muito mais amena que a original. Isso tudo ativou a linha-dura nas FFAA, que agora voa alto na Intervenção Militar decretada para o Rio de Janeiro, sob um governo federal ilegítimo, de uma direita acuada e impopular.

O tuíte é um truco à democracia, mas também é um pedido de socorro. A única instituição que cresce com a crise política são as FFAA, todas as outras chafurdaram nas contradições do golpe parlamentar contra o mandato da presidenta Dilma. O resultado disso não interessa ao projeto que a corporação militar quer para si nas próximas gerações, mas há um horizonte de eventos que, se ultrapassado, será um ponto de não retorno. Aparentemente, o horizonte de eventos é o julgamento de hoje.

Pelo olhar puramente ideológico da corporação militar, a decisão pelo habeas-corpus de Lula reforçaria a ilusão da necessidade intervencionista e da ruptura constitucional, mas as ideologias servem exatamente para isso. O que está em jogo é algo muito mais simples e maior. A constitucional presunção de inocência será guardada ou não pelo Supremo Tribunal Federal? Se não for, o fio institucional que reproduz a democracia se romperá, ficando a cargo de cada órgão de poder nacional organizar, autarquicamente, suas “missões institucionais”. O resultado disso é qualquer coisa, menos uma democracia.


As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor