Após Lula, quem será o próximo?

Quando não se reage ao arbítrio, em algum momento todos nós seremos alcançado por ele!

Os exemplos dessa assertiva são abundantes.

Para quem gosta de rigor acadêmico basta lembrar que na natureza, como na sociedade, todos os fenômenos estão interligados, interconectados e interdependentes, de onde é fácil concluir que se tudo está em movimento, naturalmente tudo estará sempre em constante transformação e evolução.

E, não raro, o mesmo fato pode lhe alcançar de distintas formas.

Quando o Judiciário impediu que a Presidenta Dilma Rousseff nomeasse o ex-presidente Lula como ministro de estado ali estava patentemente configurado uma usurpação de prerrogativas do poder executivo, a quem cabe, privativamente, nomear e exonerar Ministros de Estado.

Naquele momento, a deputada Cristiane Brasil (PTB), ativista do golpe contra a presidenta Dilma, certamente bateu panela e comemorou, assim como a maioria de seu partido. Mas agora, vítima do mesmo fato, ela e seu PTB não tem nenhuma razão para comemorar.

O mesmo se pode dizer de Eduardo Cunha (PMDB) que, na condição de presidente da Câmara dos Deputados, se prestou a recepcionar a farsa que daria início ao processo de cassação da presidenta Dilma Rousseff. Imaginou que seria blindado. Está sem mandato e preso.

E agora as forças reacionárias se preparam para mais uma etapa do golpe: a condenação do ex-presidente Lula – mesmo sem prova material – e sua eventual prisão, cujo objetivo é eliminá-lo da disputa eleitoral e intimidar o movimento popular.

Diante dessa cruzada contra o movimento popular, não há como não estabelecer paralelo com o tratamento que o ministério público e o judiciário dispensam a Lula e a outros integrantes do antigo governo em comparação com o que ocorre com os líderes do golpe.

Os líderes do PSDB (Aécio, Alckmin, Azeredo, Serra, etc.) não são molestados, apesar das contundentes denúncias contra eles verbalizadas, tanto por delatores como por gravações da própria polícia federal. Quando eventualmente aparece uma notícia sobre eles é dando conta que tal ou qual processo prescreveu por decurso de prazo.

O PMDB recebe tratamento idêntico. O presidente Temer é previamente “inocentado” pelo chefe da polícia federal. E um processo contra o senador Romero Jucá, presidente nacional do PMDB, foi arquivado por decurso de prazo, após 14 anos de tramitação.

Hoje, diante desses fatos, até mesmo os meios de comunicação da classe dominante são obrigados a reconhecerem que o tratamento dispensado a Lula no caso “triplex” – e em outros processos semelhantes – tem recebido um tratamento muito mais rigoroso do que aquele usualmente aplicado contra seus detratores, alguns dos quais sob gravíssimas acusações e ou respondendo a processos bem mais graves do que os de Lula.

Tudo isso somado não há como alguém, com um mínimo de isenção, não concluir que Lula está sendo perseguido politicamente. E não é o único.

Mas também não há surpresa, especialmente para quem tem presente que o estado e seus respectivos aparelhos (legislativo, executivo, judiciário, meios de comunicação, etc.) nada mais são do que um instrumento de dominação da classe dominante e, como tal, agem para proteger os seus e oprimir os que eventualmente se colocarem em contraposição às suas pretensões, como bem demonstrou Marx em “A Origem da família, da propriedade privada e do estado”.

Nessa obra, Marx evidenciou tanto os limites da teoria de Thomas Hobbes (o Leviatã), quanto a teoria de independência e harmonia dos poderes sustentada por Montesquieu (Espírito das Leis).

Como se sabe, Hobbes sustentava que a única hipótese da humanidade viver em sociedade era sob o tacão de um imperador com poderes absolutos. Como tinha aversão a democracia defendia que o déspota era quem podia determinar o que era certo ou errado. Qualquer semelhança com os dias atuais não é mera coincidência.

Já Montesquieu admitia que a sociedade estava dividida em classes, mas acreditava que se ela fosse organizada em torno de poderes (legislativo, executivo e judiciário) harmônicos e independentes o estado funcionaria como um instrumento de mediação entre os distintos interesses de classes. Na sua formulação o legislativo tinha papel preponderante, embora não superior aos demais.

Ao longo dos tempos, todavia, o legislativo foi se atrofiando e o executivo se agigantando. Sofreu seu mais duro golpe quando Napoleão Bonaparte invadiu o parlamento francês e se autoproclamou imperador da França.

O 18 brumário, como o episódio ficou conhecido, é considerado o 1o golpe de estado da era moderna e Marx assim o descreve: “demonstro como a luta de classe na França criou circunstâncias e condições que possibilitaram a um personagem medíocre e grotesco desempenhar um papel de herói”.

E agora, com um ativismo jamais visto e uma publicização midiática que beira a espetacularização, o judiciário tenta atrofiar os demais poderes precisamente para que ele possa cumprir o papel preponderante até então desempenhado pelo executivo. É o mais claro e cristalino rompimento do contrato social de Rousseau.

Mas há um “óbice”. No pacto social está consignado que todo poder emana do povo, ou seja, do voto, em se tratando de democracias representativas. Esse atributo, porém, é privativo do legislativo e do executivo que, com erros e acertos, periodicamente se submetem ao crivo popular para legitimarem seu “poder”. Como é fácil concluir o judiciário, por não ser mandatário do voto popular, só poderia exercer o “poder” recorrendo ao viés autoritário preconizado por Hobbes.

Interpretações distintas de um processo não é exatamente um desvio de conduta e sim a expressão da corrente ideológica, doutrinária, a qual se filia esse ou aquele operador do judiciário. Mas a convicção filosófica jamais poderá se sobrepor ao que é a essência do arcabouço jurídico: a prova material, a discrição, e a absoluta independência para julgar, amparada em mecanismos como a vitaliciedade e a inamovibilidade precisamente para que esses profissionais sejam infensos a retaliações, pressões midiáticas e até mesmo de eventual pressão popular.

Se os membros do legislativo ou do executivo contrariarem a vontade popular é pouco provável que se reelejam o que, se não justifica, explica o “vai e vem” desses personagens. Estão lutando para sobreviver. Essa condicionante, naturalmente, não atinge os membros do judiciário, razão pela qual se espera que ajam com absoluta independência.

A eventual consolidação dessa pretensão judiciária sepultaria a democracia representativa e reergueria o estado autoritário preconizado por Thomas Hobbes.

Ou estaria o judiciário acometido da mesma síndrome que atingiu o então presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB), que teve a ilusão de que seria poupado e protegido após cumprir a 1a parte do golpe, que era o afastamento da presidenta Dilma Rousseff?

O que está em curso agora é a 2a parte do golpe: uma eleição, se houver, com o máximo de controle das forças conservadoras. Se concluírem com êxito essa empreitada, a possibilidade de que essas forças continuem comandando o pais é razoável, o que significa dizer que novos ataques aos direitos do povo e à nossa soberania serão intensificados. Caminharemos, então, para a conflagração.

E diante desse novo cenário, nesse novo governo conservador, qual seria o papel do judiciário? De estorvo, se mantivesse o ativismo atual. Logo é pouco provável que os demais aparelhos de estado lhe permitisse continuar com essa cruzada.

E, nesse caso, o executivo e o legislativo voltariam suas baterias para contê-lo, baseado em fragilidades reais (extrateto, auxílio moradia, etc.) ou imaginárias. Recorreriam a redução orçamentária, sob o argumento de que há outras prioridades, e, no extremo, poderiam tentar o próprio fechamento do judiciário para retomar a institucionalidade e a estabilidade rompida pelas reiteradas usurpações de prerrogativas praticadas pelo judiciário em desfavor ora do legislativo ora do judiciário.

Mas, também, é preciso ter presente que nenhuma organização social é eterna. Elas se transmutam, se transformam.

Assim, diante desse quadro adverso, não basta reclamar. É preciso denunciar a perseguição movida contra a esquerda de maneira geral; defender o direito de Lula concorrer, pois o seu impedimento é mais um golpe contra a democracia; mas é necessário definir uma pauta para avançar, incluindo as reformas estruturantes (política, jurídica, comunicação) e a defesa de um projeto de desenvolvimento nacional soberano. Por fim as ilusões de classes.
Ademais, é preciso reconhecer, com base nos fatos, que para liderar um projeto com essa magnitude é necessário uma organização partidária que tenha clareza do papel do estado; da centralidade da soberania nacional; da necessidade de um projeto de desenvolvimento nacional integrado; e, principalmente, da construção de um projeto socialista.

A candidatura de Manuela D’Avila (PCdoB) cumpre, dentre outros objetivos, exatamente esse extraordinário papel.

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